O que impulsiona pais e mães a perseverarem na busca pela verdade por trás do desaparecimento de um filho? Por quanto tempo estão dispostos a esperar para proporcionar um enterro digno àquele que morreu em circunstâncias obscuras, cujo corpo foi ocultado para que as atrocidades de seu assassinato não fossem reveladas? Alguns aguardaram décadas para finalmente fechar esse doloroso ciclo, enquanto outros ainda enfrentam uma ferida aberta, na esperança de um dia alcançar justiça e paz. Essa mesma esperança motivou os pais de Alexandre Vanucchi Leme a persistirem na busca pelos restos mortais do filho, morto em 1973. A jornada só foi concluída dez anos depois, quando finalmente puderam sepultá-lo em Sorocaba.
Alexandre, estudante de Geologia da USP, tinha apenas 22 anos quando foi capturado e torturado até a morte no DOI-CODI de São Paulo. Sua história é contada por Camilo Vanucchi, jornalista e escritor, seu primo de segundo grau, no livro “Eu só disse o meu nome”, publicado pela Editora Discurso e Instituto Vladimir Herzog. O podcast homônimo, produzido pela Nav Reportagens e Instituto Vladimir Herzog e disponível no Spotify, também revela detalhes da vida do estudante.
Desde 1976, o rosto de Alexandre Vanucchi Leme é visto em cartazes, bandeiras, muros e no campus da USP, quando o DCE-Livre foi nomeado em sua homenagem. No entanto, muitos estudantes atuais desconhecem sua história. Essa falta de conhecimento motivou Camilo a escrever sobre seu primo, não apenas para destacar sua importância na história do país, mas também para incentivar o diálogo sobre o legado deixado pela ditadura militar, cuja falta de entendimento pode levar à nostalgia pelos tempos sombrios.
Alexandre Vanucchi Leme foi uma das vítimas da ditadura militar de 21 anos que assombrou a vida dos brasileiros. Membro da ALN (Ação Libertadora Nacional), ele trabalhava para mobilizar estudantes em prol da democracia, distribuindo panfletos e redigindo comunicados. Sua captura e morte desencadearam uma série de prisões de estudantes na USP e levaram à criação da Aesi, órgão de assessoramento da Reitoria da USP para monitorar e investigar professores, funcionários e alunos.
Após dias de busca, os pais de Alexandre viram uma notícia no jornal dizendo que ele havia sido atropelado enquanto fugia da repressão. A informação falsa foi logo desmentida, mas os familiares não tiveram acesso aos restos mortais do jovem, sepultado clandestinamente no cemitério de Perus. Somente em 1983 puderam realizar uma cerimônia de despedida e esclarecer as circunstâncias da morte do estudante.
O caso de Alexandre é apenas um entre muitos desaparecimentos durante os anos do governo Médici, considerado um dos mais cruéis da ditadura militar brasileira. Sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi criada a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, responsável por localizar e reconhecer vítimas do regime. Isso permitiu que famílias obtivessem informações sobre seus entes queridos, resolvessem questões burocráticas e finalmente lhes dessem um enterro digno. A comissão foi interrompida pelo governo Bolsonaro em 2022, mas reestabelecida por Lula em julho de 2024.
A recriação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos traz esperança para aqueles que, como os pais de Alexandre Vanucchi Leme, não descansarão até esclarecerem a verdade sobre a morte de seus entes queridos.
Andréia Schefer é escritora, professora, especialista em Literatura Contemporânea e graduanda em Jornalismo. Publicou os romances Para onde vão as borboletas à noite (Edição da autora, 2020) e Nada será como antes (Edição da autora, 2023). Participou de diversas antologias. (andyschef.nh@gmail.com – @andreiascheferescritora)
Foto da Capa: Acervo da Família
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