Nos dias de hoje, é comum ouvirmos falar que a depressão é uma epidemia, o mal do século e por aí vai. Existe algo no ar, um sentimento de orfandade, de problemas que se acumulam ao longo do dia de forma crescente, enquanto as possibilidades de obtermos ajuda na família, no ciclo de amigos ou na comunidade diminuem. Há um claro sentimento de solidão e cansaço!
Em maio de 2013, ao receber relatos de colegas advogados sobre arbitrariedades cometidas pelo poder judiciário – precisamente aquele poder que deveria ser o guardião da lei, da liberdade, da decência e da justiça – em solidariedade aos colegas, escrevi o artigo intitulado “Estamos Cansados“.
Nele, afirmei que não existe salvador da pátria, que ninguém fará nada por nós e que devemos lutar nossas próprias batalhas, combatendo os homens maus e nos associando aos homens e mulheres de bem onde quer que eles estejam, somando nossa luz e nossas forças.
O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, que vive na Alemanha, em sua obra “A Sociedade do Cansaço”, oferece uma reflexão profunda sobre as complexidades da modernidade. Com uma habilidade quase artística, Han desvenda como nossa realidade evoluiu de uma estrutura disciplinar, marcada pela vigilância e punição, para um cenário vibrante e extenuante, onde a busca incessante pelo desempenho se tornou a norma.
A corrida do dia a dia
Imagine um dia comum: você acorda com o som estridente do despertador, um pequeno tirano que marca o início de sua maratona diária. O café da manhã é consumido às pressas, e a conexão com as redes sociais é imediata. Antes mesmo de o sol surgir completamente no céu, você já está submerso em uma enxurrada de mensagens, expectativas e comparações. Essa é a vida moderna: um jogo em que todos somos atletas, sempre em busca da próxima medalha de ouro, mas frequentemente esquecendo do que realmente importa.
A desintegração das fronteiras
Na sociedade disciplinar, havia uma clara distinção entre trabalho e lazer, como uma linha visível na areia. As pessoas eram moldadas por normas externas, onde erros eram punidos e sucessos recompensados. Hoje, na sociedade do desempenho, essa linha se desfez como vapor ao sol. A pressão para ser produtivo não é mais imposta apenas por olhares externos; agora se tornou uma sombra interna que carregamos, um eco constante que nos diz que nunca é suficiente. Cada “parabéns” recebido nas redes sociais parece trazer consigo uma nova expectativa de desempenho.
O cansaço emocional
Os efeitos dessa pressão são palpáveis. Você já se sentiu exausto após um dia de trabalho, mesmo sem ter levantado um peso físico?
O cansaço emocional se infiltra em nossas vidas, gerando ansiedade e depressão. A vida se transforma em uma maratona sem linha de chegada, onde a cada passo a sensação de estar ficando para trás aumenta. Os momentos de ócio, que deveriam ser ilhas de descanso e reflexão, muitas vezes se tornam fardos de culpa, fazendo-nos sentir que estamos “perdendo tempo” ao invés de simplesmente existirmos.
O valor do ócio
Han nos lembra da visão de Aristóteles sobre o ócio como um espaço sagrado para reflexão e crescimento. Em contraste com essa perspectiva, somos bombardeados pela ideia de que nosso valor está diretamente ligado à nossa produtividade. As redes sociais se tornam um espelho distorcido que reflete não apenas nossas conquistas, mas também as dos outros, levando-nos a uma comparação constante, como se nossas vidas fossem medidas em “likes” e “compartilhamentos”.
Um convite à introspecção
A proposta de Han é um convite à introspecção: até que ponto fazemos escolhas livres e até que ponto somos influenciados por pressões externas e pela necessidade de pertencimento? Ao encontrarmos um equilíbrio entre trabalho e lazer, podemos retomar o controle sobre nossas vidas, permitindo que o ócio seja visto não como um vilão, mas como um aliado na busca por significado.
Conclusão
“A Sociedade do Cansaço” é mais do que um simples livro; é um manifesto sobre a vida moderna e um espelho que nos confronta com a realidade cotidiana. Ele nos desafia a reconhecer nosso papel vital nessa tapeçaria social. Em um mundo onde a produtividade frequentemente eclipsa a felicidade, somos chamados a buscar um equilíbrio renovador. Que possamos encontrar tempo para parar, respirar e redescobrir a beleza simples de existir entre as corridas diárias.
João Francisco Rogowski é jurista, escritor, mentor e professor. Ele acorda antes do nascer do sol, em busca de inspiração e conexão com seu propósito.
Foto da Capa: Divulgação
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