Data máxima da independência brasileira, o Sete de Setembro marcou a história do Pasquim – como uma piada perigosa. O jornal, que vivia sob a mira afiada dos censores e dos órgãos de repressão, finalmente caiu numa armadilha em novembro de 1970. A razão para que a situação endurecesse e levasse boa parte da cúpula do jornal ao extremo da prisão seria tão banal quanto simbólica: uma charge de Jaguar tendo como base o quadro Independência ou Morte (1888), de Pedro Américo (1843-1905), ridicularizava a obra. O destaque nem era tão grande, com a charge sendo colocada na parte inferior de uma página par (a 14) da edição de número 72. Uma afronta a um dos símbolos da nação, diriam alguns. Na obra, Dom Pedro I ocupa lugar de destaque e é bem na parte central que Jaguar fez uma de suas colagens com um balão onde o imperador gritava “Eu quero mocotó!!” (com dois pontos de exclamação).
Com a charge, Jaguar cutucava vários leões com uma vara curta. A mesma música, cinco dias antes, estivera no centro da polêmica apresentação no Maracanãzinho do maestro Erlon Chaves e de sua Banda Veneno. Na madrugada do dia 26 de outubro, Erlon Chaves foi convidado pelo apresentador para deixar a presidência do júri e subir ao palco, onde era realizada a grande final do V Festival Internacional da Canção. Erlon Chaves – vestindo uma roupa desenhada por Evandro Castro Lima, conhecido pelas fantasias carnavalescas – aceitou de imediato a convocação e, no palco, atrás dele, com a orquestra regida pelo maestro Rogério Duprat, começaram a surgir garotas “vestindo sumários trajes cor da pele”, descreveria uma reportagem da época.
Num primeiro momento eram seis, que rodopiavam ao redor de Erlon Chaves e beijavam-no. Na sequência, mais seis garotas e também os músicos da Banda Veneno. Quem se uniria ao grupo seria Jorge Ben, autor da canção-tema. O happening musical se manteria por um longo tempo, uma celebração profana quase que inspirada nos coros das igrejas americanas. Erlon Chaves estava consagrado. Porém, duraria pouco a comemoração. As esposas de alguns militares – e as esposas dos militares mandavam e desmandavam naquele período, vale lembrar – reclamaram com os maridos do comportamento daquele “negro abusado”. Dizem também que o próprio presidente da República, o general Médici – não muito chegado em música e em comemorações – exigiu rápidas e exemplares providências.
Assim, naquela mesma madrugada, Erlon Chaves foi escoltado até a Polícia Federal e ficou detido por quatro horas para depor. Além da violência e da humilhação a que foi exposto, Erlon Chaves ganharia ainda uma suspensão artística por ordem da censura, obrigando-o a ficar um mês proibido de exercer suas atividades profissionais em todo o território brasileiro. Dessa forma, Eu Também Quero Mocotó pode ser considerada uma música maldita. Nascida de uma brincadeira a partir de gírias usadas por Jorge Ben, Wilson Simonal e Erlon Chaves, a canção, composta por Jorge Ben, fazia referência tanto ao suculento prato quanto às pernas femininas então liberadas pelas minissaias. Na sequência, a gíria “mocotó” incorporaria também uma referência, pouco admitida, às partes íntimas femininas. Sucesso instantâneo pela letra de fácil apelo popular, a música deu ainda nome ao trio que acompanhava Jorge Ben na época, quando o músico defendeu Charles, Anjo 45 no festival em que Erlon Chaves apresentaria Eu Também Quero Mocotó.
Como consequência natural do clima repressivo, o período não melhoraria em nada entre os cinco dias que separavam a detenção de Erlon Chaves e o dia 1º de novembro, data a partir de quando seriam presos pelo Doi-Codi Tarso de Castro, Luiz Carlos Maciel, Ziraldo, Jaguar, Sérgio Cabral, Paulo Francis, Flávio Rangel, Fortuna, o fotógrafo Paulo Garcez, José Grossi, o diretor de publicidade, e o funcionário Haroldo Zager.
Caberia aos que não foram detidos – Martha Alencar, Millôr Fernandes, Henfil e Miguel Paiva – a responsabilidade de se envolver com a edição do jornal e a missão de manter o Pasquim vivo nas bancas