E de cima do outeiro se vislumbrava, por cima dos verdes e dos musgos, as pedras grossas. E como a cada passo as formas desconjuntas davam o relevo de uma antiga era. O antigo castelo carolíngio de outrora já fora a morada de uma pequena família feudal… mas que perdera a nobreza ali na floresta de Sélestat. Onde o gótico se impunha séculos depois de séculos. Como uma forma de pensamento rebuscada, repleta de portas e janelas, pensamentos de circulação impreterível que me invadiam nessa breve visita que fiz em busca de um conhecimento perdido.
A reflexão sobre o que aprendi e como ainda ouso aprender me acompanha. O ensino, de um modo geral, me incomoda. Primeiro lugar, porque eu adoro aprender. E quando subestimam a minha inteligência, é um sinal de que não estão me entendendo… por uma preguiça colossal! O entendimento não se dá apenas pela leitura de signos, mas sim por um esforço do interlocutor em encontrar um meio de fazer aquilo que está subjacente ganhar relevo o suficiente para ter a dignidade de existir. Foi daí que aprendi com o amor e ele se tornara então o princípio fundamental.
Segundo lugar, aprender exige uma propensão ao novo. Deve haver alguma coisa diferente do modo como tradicionalmente somos educados que leve a aprender. A criança brincava também em ver imagens de navios, baleias, plantas baixas, fórmulas matemáticas e esquemas em livros indecifráveis. A profusão de cheias de letras era apenas algo que “ainda” não fazia sentido. Eu já sabia ler, mas preferia o gosto de observar com atenção cada entoada de emoção que me passavam as imagens. A escola não ajudou nesse gosto, pois era difícil gostar da escola quando os professores pareciam tornar o aprendizado uma frágil mediação de conflitos entre colegas. Talvez por isso eu guarde poucas recordações do que eles diziam.
Tão logo todo o caos das letras chegava, junto aos burburinhos egoístas das pessoas letradas, eu via o quanto o mundo jamais se renderia a esse apreciar lento das imagens. Talvez tenha isso tenha feito o alfabeto grego ganhar tanta relevância diante das imagens hieroglíficas egípcias. E nós, para educarmos, fizemos do alfabeto a parte racional de nossas angústias… A crença na captação do significado em sua forma mais exata quanto possível na síntese do conhecimento. Enquanto isso, os alquimistas buscavam, com livros sem palavras, um retorno ao imaginário onírico… tal como os hieróglifos egípcios o fizeram!
Oh, sangue das eras, a correr no traçado de uma confissão a Deus no dia do perdão. É-nos dado o presente da criação, sermos parte da coisa que é capaz de mudar o final da história a todo o momento. E o que fazemos? Não nos é lícito perder tempo! O tempo, senhores, é o mestre a jogar com seus mais importantes acontecimentos. Eu posso lembrar das leituras e do nascimento dos meus filhos como partes do grande projeto de vida que é ser eu mesmo. O tempo capaz de recrudescer e ensinar a medida do aprendizado que deve ser suficiente, nem mais nem menos, nessa incrível jornada… da vida.
Seria leviano de minha parte se não levasse em conta algo tão sutil, mas de suma importância, que alio com afinco em meu trabalho. E isso é como meu cérebro se comporta quando não posso notar. Quando alguém me para achando que sou um estrangeiro… Estrangeiro também na terra em que vivo. E isso é algo que ao menos expressa a humildade de estar em um lugar que, paradoxalmente, é meu e não é. É meu por eu ter conquistado a possibilidade de me ver junto à minha história e isso ser parte do dia do perdão. Em parte, nunca será meu, pois o mundo não verá jamais assim, o mundo apenas faz parte do treino de habilidades… para um aprendizado cada vez maior, em que minha consciência se desenvolve.
Eu faço esse prelúdio para ajudar a olhar a capacidade de enxergar, escutar, sentir com todos os sentidos integrados. É que, quando meu trabalho sai de dentro de mim, ele é inteligente. Alia a emoção em uma simples conversa. Eu estou todo lá, na doação, mas o que sai de mim é algo que tem de servir para o outro que me solicita o que ele não consegue ter com sua vida. Me implora isso a doar-se em um ritual que chamamos de psicoterapia, mas é muito mais do que isso, pois envolve tudo o que não está lá naquele momento presente apenas, mesmo que só tenhamos esse momento. O autodidata aprende com algo da experiência que não cessa de aprender, ou ao menos, não deve cessar de aprender, com a dura fragilidade da perda irretorquível de tudo o que foi construído até ali. Eu vejo o tempo em retrospecto, mas sinto as emoções como partituras musicais. Essa leitura é parte de um trabalho muito maior e eu estaria caindo em erro se já soubesse todas as aplicações e limites dessa capacidade. Ela ainda precisa de mais tempo… como parte da viagem que a vida proporciona a todo aquele que decide navegar em mares insólitos.
Estevan de Negreiros Ketzer é psicólogo clínico. Doutor em Letras (PUCRS). Email: estevanketzer@gmail.com.
Todos os textos da Zona Livre estão AQUI.
Foto da Capa: Château d'Andlau / Wikimedia Commons