Zé Rodrix contou que estava na estrada, viajando de ônibus, para tocar num show. Olhando a paisagem pela janela, teve a ideia de “Casa no Campo”. Chegando ao hotel, escreveu toda a letra.
Depois, mostrou para o Tavito, que fez a música. Inscreveram a canção no Festival de Juiz de Fora. Na apresentação da fase eliminatória para os jurados, estava Elis Regina, que presidia o júri.
Após a apresentação, quando saía do palco, Elis falou para ele que queria gravar essa música. Eles nunca tinham se falado antes. E Elis já era uma grande estrela.
Zé Rodrix relatou que a música tomou a forma que tem hoje depois da interpretação de Elis. Foi ela quem achou a identidade da composição.
A interpretação é também uma criação. O cantor cria uma forma de cantar a composição que, formalmente, ou seja, com os acordes, a melodia e a letra, já estava pronta. Mas algumas interpretações podem revelar conteúdos e aspectos estéticos que estavam não evidentes. E, no limite, podem se incorporar ou mesmo definir uma forma que decifra a esfinge que é essa canção.
Ninguém canta melhor Chico Buarque, no sentido de interpretar todo seu consciente jogo entre letra e melodia, sobretudo as intenções desse jogo, do que o próprio Chico. Mas, de repente, chega um Caetano e canta “Samba e Amor”, do Chico, um pouquinho mais lento, diminuindo o pulso do samba, trazendo pra frente o desenho melódico e se revela toda a preguiça e sensualidade dessa canção.
De novo, o Caetano pega “Partido Alto”, do Chico, ralenta o samba, bota uma marcação de baixo e guitarra, e a dramaticidade da canção, que já não era pouca, ganha uma potência mais elevada, ou a verdadeira potência da composição, revelada pela contundência da sua voz e interpretação, culminando num canto falado quase gritado: “Que eu já estou de saco cheio”.
Gil, com sua interpretação do “Samba do Avião”, do Tom Jobim, cria um suingue tal que passamos a ter, a partir daí, duas canções, a do Tom e a dele. E as duas maravilhosas.
Experimente ouvir os duetos das várias canções gravadas com a Ella Fitzgerald e o Louis Armstrong. Um propõe ao outro, cantando, as inúmeras possibilidades de dividir a frase melódica, de lançar força dramática ou satírica para algum ponto da letra, revelando infinitas canções dentro da mesma canção.
Foto da Capa: Zé Rodrix, Virada Cultural/SP, 2008 / Wiki Commons
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