Entendo os movimentos de greve, mas invariavelmente me incomodam. Por que quase sempre interferem na vida de terceiros, que pouco ou nada tem de envolvimento com a questão divergente. Tenho capacidade de compreender que é um recurso legal de negociação. Mas sempre prefiro apostar no diálogo, mesmo áspero, como forma de negociação.
Dias atrás, os jogadores do Internacional promoveram uma greve. Às vésperas de um jogo, simplesmente se negaram a participar de um treinamento na parte da manhã. Os que chegavam ao CT (Centro de Treinamentos do Beira-Rio) eram mandados para casa por líderes que nunca quiseram colocar a cara. Assustada, e também indignada, a direção do clube correu de forma atabalhoada para resolver o assunto. Pagou uma parte dos atrasados, promoveu uma reunião, e então tudo se normalizou. Treino normal à tarde. E nenhum jogador teve coragem de dar entrevista em nome do grupo para explicar o que havia acontecido.
Explico, então: uma parte do salário dos jogadores (no máximo 40%) é paga através do recurso intitulado “direito de imagem”. Na verdade, o direito de imagem é uma espécie de manobra dentro da lei para reduzir os impostos que incidem sobre valores pagos no regime CLT (exorbitantes, nós sabemos). O Inter estava em atraso com o grupo por três meses, o que, convenhamos, é uma barbeiragem e tanto para um clube que não para de contratar. O trampolim para a indignação veio na noite anterior quando o vice-presidente de futebol, Emílio Papaléo Zin, conversou com um jornalista e disse que o Inter não tinha nenhum tipo de atraso com os atletas. Isso rodou via WhatsApp entre os jogadores e pronto: a decisão foi pela paralisação das atividades no dia seguinte.
De um grupo de 38 jogadores o Inter tem 13 que recebem parte das remunerações divididas em CLT (60%) e direito de imagem (40%), justamente aqueles com salários mais altos. Os demais ganham exclusivamente no regime CLT. Aqui, convido o leitor à reflexão mais importante. Se um trabalhador que ganha, por exemplo, salário de R$ 2 mil, não receber 40% de seus vencimentos (R$ 800) ele realmente terá problemas sérios. Poderá não ter como pagar a conta de luz, o aluguel, certamente terá dificuldades para suprir sua família das necessidades mais básicas. Imaginem isso por três meses!
Um jogador que tem um salário de R$ 300 mil deixará de receber R$ 120 mil e terá de se virar com R$ 180 mil, menos os impostos, sobrarão R$ 130 mil. Talvez realmente ele não honre todos os compromissos assumidos. Mas nada lhe faltará de essencial. E observem que muitos destes atletas envolvidos no episódio da greve ganham bem mais que R$ 300 mil. Há os de 400, 500, 600…e até mais!
Este raciocínio não tira a responsabilidade do clube. Precisa sim pagar compromissos com os atletas em dia. Saber renegociar quando houver problemas. E cumprir novos acordos. Mas promover uma greve por isso? E depois não ter a coragem de falar claramente sobre o assunto?
Faltou maturidade para este grupo. E também coragem para assumir o movimento.
Em tempo: financeiramente o movimento deu certo. Até às 4 da tarde daquele dia o clube já havia depositado dois terços da dívida. Mas o desgaste gerado perante a torcida foi gigante. E Taison, líder do movimento, pela primeira vez foi vaiado no estádio Beira-Rio assim que a torcida o reencontrou, mesmo numa vitória colorada sobre o Flamengo. Esta conta do grupo de jogadores com a torcida ainda não está quitada!