Se observarmos com atenção, perceberemos que toda a noção ideológica está sempre baseada em algum conteúdo particular que tenta – e consegue, quase sempre – explicar sua eficácia.
A ideia distorcida da direita política, em relação ao estado de Bem-Estar Social, é sempre exemplificada com casos de pessoas pobres que preferem viver com auxílio do Estado a se dedicar ao trabalho e ao empreendedorismo dentro do mercado.
Outro fato social muito debatido e condenado por políticos e pela mídia é o problema da gestação em adolescentes, mães solteiras, fontes de grandes males sociais como a explosão da natalidade num país com taxas de reprodução em baixa e demograficamente vazio, (20 habitantes por km quadrado; Holanda, Alemanha, Japão, Bélgica, Itália, Inglaterra, 200) mulheres e seus filhos injustamente culpados pelo aumento da delinquência juvenil, pela superpopulação nos presídios e pela crise no orçamento fiscal.
Estas falsas argumentações insistentemente veiculadas pelos monopólios midiáticos, tornadas consensuais e debilmente contraditadas pela intelectualidade considerada letrada, é que possibilitam a vitória ideológica da direita elitista, sociológica e politicamente deformada.
Quer dizer: o vínculo entre um preconceituoso, falso e generalizado pensamento sociológico, e um conteúdo particular que funciona como seu substituto, resulta num incessante embate politico. E é precisamente neste nível que as batalhas ideológicas se ganham ou se perdem.
O que nos parece estranho, no entanto, é que o pensamento politico-ideológico das classes que detém o poder amplo, espesso e “intaxável”, passem a fazer parte dos conceitos e preconceitos das classes sociais cultural e economicamente dominadas.
Em outras palavras: o domínio hegemônico do poder tem que incorporar pelo menos dois conteúdos particulares: um de conteúdo popular, como a ideia do empreendedorismo e do sucesso dele resultante (mesmo dos adolescentes entregadores de comida numa bicicleta), encaixado a marteladas marquetizadas, e o outro, quando acontecem as distorções e crises resultantes do primeiro, explicá-las e justificá-las nos socorrendo de Freud, Pavlov, Rawls, Hayek, Adam Smith, da turma intocável do Mont Pelerin e até da etologia de Konrad Lorenz.
Franklin Cunha é médico, escritor e membro da Academia Rio-Grandense de Letras
Foto da Capa: Reprodução do quadro “Operários” de Tarsila do Amaral
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