Terminou o primeiro mês do ano, que foi batizado de janeiro branco. Uma forma de se chamar a atenção para questões relacionadas à saúde mental. Se formos investigar ao longo da história, cada época lidou de diferentes formas esse tremendo desafio. Se por um lado avançamos muito nessa área – novos fármacos, tipos diferentes de tratamento, terapias com distintas abordagens – por outro, a cada dia surgem novos desafios que nos tornam mais sensíveis às mazelas da vida.
Acompanhar as notícias do Brasil, estar conectado nas telas, ser bombardeado de estímulos, agrava a saúde em distintos aspectos. E, nos últimos tempos, só em ler as manchetes já é suficiente para deixar os que tem noção do contexto de cabelo em pé. Ou deitado, estacionado, deprimido, no meu caso. Tem sido difícil sair da minha mente aquelas imagens dos Yanomami esquálidos. Está duro se deparar todo dia com tantas insanidades. Creio que todas as pessoas com um pouco de compaixão sentem-se afetadas ao se deparar com tantas barbaridades.
Cunhei uma sentença, há alguns anos:
De louco, todo mundo tem um pouco. O problema é o quanto se atrapalha a vida dos outros.
Os comportamentos de gente com poder (político ou econômico), mas sem juízo, tem provocado impactos de toda ordem. Ou melhor, quanta gente eleita só pensa em deixar mais gordo, obeso, nosso sistema capitalista. Um sistema que está baseado em um crescimento a qualquer preço, sem se preocupar com o seu rastro de destruição. Ao custo de vidas, de impactos que custarão a qualidade de vida de gerações.
O avanço e os impactos do garimpo
Tempos atrás, quando vi as águas barrentas de um dos afluentes do maravilhoso rio Tapajós, já fiquei desesperada. O rio que atravessa o Pará, com suas águas azul marinho, chegou em Alter do Chão, o nosso Caribe brasileiro, completamente turvo. Tudo por causa do garimpo de ouro na região que era para ser o Distrito Florestal Brasileiro, cortado pela BR-163. Pela ganância, estímulo de quem deveria proteger a nação, falta de políticas públicas para diminuir o estrago do garimpo na Amazônia.
Se você que me lê acha que esse impacto é só por lá, vale dar uma revisada nos seus conceitos. O estrago feito pelo desmatamento e as consequências do garimpo hoje é gigantesco. Primeiro que sem a Amazonia preservada, o clima do planeta todo fica comprometido. Ainda mais o Brasil, pois é do Norte que vem boa parte da chuva que cai no Sul. Além disso, são ataques na veia de uma biodiversidade, que se quer foi profundamente conhecida e estudada.
Segundo, que a contaminação com mercúrio é exponencial, vai trazendo desequilíbrio em toda cadeia de vida. Então, você pode estar comendo um peixe divino em um restaurante em algum lugar que foi pescado em águas contaminadas. Pois não é só em Roraima que os rios estão cheios de mercúrio.
Ouro para quem? Para quê?
Quando nos deparamos olhando uma vitrine de uma joalheria, raramente nos perguntamos de onde veio aquele ouro, aquelas pedras reluzentes. Devido a uma construção cultural, histórica, usar joias é símbolo de status. As figuras dos MCs não me deixam mentir. Já reparou no tanto de colares de ouro que eles ostentam?
Só que hoje a ganância está fazendo com que o impacto provocado por quem deseja extrair esse metal precioso seja muito maior do que o próprio ouro. Qual é o preço da extração para os legítimos brasileiros, os indígenas, para quem mora próximo aos rios contaminados de mercúrio ou quem vai comer o peixe longe dali? Vale a pena eu vestir uma corrente, um brinco sabendo que aquele metal é resultado de tamanha destruição?
O tamanho do impacto na Amazônia da retirada de ouro, metal nobre que há séculos, move a cobiça, a vaidade. É incalculável. A falta de controle sobre a cadeia econômica desse metal e a diminuição na fiscalização incentivaram o aumento da extração ilegal na floresta. Hoje há uma nova corrida pelo ouro na Amazônia. O controle para saber se o ouro vem de Unidades de Conservação ou Terras Indígenas, ou seja, se é ilegal, é incipiente. Boa parte do ouro extraído no Brasil também pode acabar em alguma joalheira ou ourives de algum canto do país.
Conforme o Instituto Escolhas, com o aumento da demanda por ativos financeiros mais seguros, em um momento de crise econômica provocada pela pandemia da Covid-19, o preço do ouro disparou nos mercados internacionais e nos quatro primeiros meses de 2020. O valor das exportações brasileiras cresceu 15%, com a remessa para fora do país de 29 toneladas de ouro. Um estrago de dimensões gigantescas, que ceifou a vida de centenas de indígenas, para quê? Para as barras ficarem descansando em um cofre em algum lugar do planeta?
O texto para “A nova corrida do ouro na Amazônia” mostra o mapeamento dos maiores arrecadadores da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), as concessões de lavras garimpeiras e os impactos econômicos e ambientais. Além disso, evidencia que o novo epicentro do boom do ouro está na Amazônia e é estimulado também pelo movimento de legalização de garimpos e pela diminuição fiscalização ambiental sobre a atividade.
Já o estudo Raio X do Ouro – 200 toneladas podem ser ilegais do Escolhas revela: quase metade do ouro produzido no Brasil pode ser ilegal. Na verdade, 229 toneladas de ouro com rastros de ilegalidade foram comercializadas no Brasil entre 2015 e 2020.
Nem vou entrar em mais detalhes sobre o impacto dessa cadeia (isso me deprime, até porque já tive uma pessoa muito próxima que foi garimpeiro em Rondônia). Essa atividade provoca danos em incontáveis sistemas de vida. O novo governo promete acabar com isso. Tomara que consiga, pois se estima que mais de 20 mil garimpeiros estejam só nas TIs de Roraima.
A procuradora Ana Carolina Haliuc Bragança, Coordenadora da Força Tarefa Amazônia do Ministério Público Federal, revela que o MPF produziu parecer indicando que a extração de um quilo de ouro na Amazônia, de maneira ilegal, gera 1,7 milhão de reais em danos ambientais. A procuradora fez um alerta. “Esse ouro de origem ilegal que é extraído em diversos pontos da Amazônia tem adentrado na nossa economia por mecanismos que nós chamamos de lavagem de ouro.
O ouro serve como ativo financeiro e como mercadoria, destinado ao mercado de joias. Todos nós estamos sujeitos a um dia encontrá-lo em vitrines luxuosas de algum shopping por aí. Então pergunto: um sistema econômico, em pleno século XXI, é ou não completamente insano? Você usaria joias que poderiam ser de matéria-prima vinda de Terra indígena Yanomani e Munduruku?
Se é tão complexo e difícil de tratar desse tema, pois só a situação dos garimpeiros já é um baita problema social, o que você pode fazer diante dessa situação? Eu tenho uma sugestão. Não compre ouro. Você pode estar alimentando essa cadeia perversa e enlouquecida. E não existe psiquiatra, fármaco ou qualquer tipo de tratamento que dê conta disso.