De louco, todo mundo tem um pouco
O problema é o quanto atrapalha a vida dos outros.
Essa sentença, frase, poema, como quiserem chamar, é de minha autoria. Convivo com várias pessoas que têm graus, níveis e/ou distintas nuances de loucura. Ou melhor, pra não estigmatizar: problemas de saúde mental. Aliás, começando por mim, que tenho meus desajustes e conflitos com meus botões. De perto, ninguém é normal, já cantou o Caetano.
Só que hoje, pelo que temos visto, os caras que têm as ideias e as vontades mais estapafúrdias, ou melhor, que retrocedem em tantas conquistas, estão no poder em várias instâncias. E ditam seus quereres como se estivessem conquistando territórios em um tabuleiro de WAR. Os níveis de alucinação não têm limite, nas redes sociais, as criaturas que mais falam asneira são as que têm o maior número de seguidores, likes etc. Tudo por visualizações, tudo por dinheiro. Pior: para os trilionários ficarem cada vez mais ricos.
Essa alucinação em níveis planetários é algo parecido com o que aconteceu antes da Segunda Guerra Mundial, quando Hitler usou o rádio, todo o poder da comunicação, para convencer o povo de que estava certo.
Porém, hoje, com as big techs, que aceitam veicular mentiras, desinformação em troca de dinheiro, o poder de convencimento de argumentos insensatos tomou proporções gigantescas. Então, o que é possível fazer para sobreviver com a mente sã em meio a tantas imoralidades? O interesse pelo bem comum, por aquilo que está acima do dinheiro fácil e do poder de um ou dois mandatos, tem ido para onde?
À medida que vamos ficando mais velhas, vamos percebendo o quanto os contextos são pincelados de gradientes multicoloridos. Acredito que já é uma ponta de lucidez querer conviver e compreender entre os lúcidos os significados do que estamos vivendo. E digo: como fica difícil raciocinar com esse calor escaldante!
Conversando com uma amiga, ela me falou das vantagens de se navegar na W3, uma rede que não precisa de provedores, é completamente descentralizada. Parece que por lá as big techs não têm tanto poder como nessa internet que os simples mortais navegam. Sim, a maior parte das pessoas é completamente ignorante no tanto de coisas que estão acontecendo. Não temos a menor noção do quanto esse universo tecnológico nos enreda. Do quanto somos apenas um byte, um grão de areia, nessa constelação de metadados.
Enquanto isso, tantas descobertas e inovações vêm sendo usadas para manipular ignorantes e ingênuos! O número de golpes, de trapaças, de formas de nos passar para trás, de usarem nossos dados tem crescido todo dia. E, confesso, também já caí em armadilhas. A sensação que dá depois de ter caído em uma cilada é horrível. Um misto de se sentir trouxa misturada com ser apunhalada por ter nascido em um ambiente em que se acreditava uns nos outros.
Diante desse contexto, em quem podemos acreditar hoje? A quem recorrer? Eis o ponto central hoje: há uma crise sem precedentes de confiança. Em quem podemos contar se há uma crise geral de governança? Como sei se a água que bebo está boa se quem deveria cuidá-la está mais preocupado em vender a companhia de abastecimento para a iniciativa privada? Como sei se água engarrafada é melhor que a da torneira se não há uma fiscalização efetiva? Como sei se o ar que eu respiro está cheio de poluentes, se não há monitoramento da qualidade do ar pelos órgãos de governo? Como sei se o produto que compro em um supermercado está sem contaminantes?
Reflexos da Sociedade de Risco, já sentenciou Ulrich Beck. Cada vez que fico sabendo do que está acontecendo na Antártica – confira a matéria que fiz recentemente sobre o retorno dos cientistas ao continente para o Extra Classe – mais me dou conta do quanto somos comandados por loucos. E daqueles indomáveis, que não querem enxergar a realidade ou que ignoram os alertas, que sabem que viverão pouco tempo e que estão pouco se importando com as próximas gerações.
Calma. Respira. Não dá para entrar em paranoia. Entrar em desespero. Vivemos tempos de muita ansiedade. Sim, esses cenários, seja de Gaza, dos limites dos EUA ou das aspirações daqueles que acham que mandam na natureza, não podem tomar conta da nossa sanidade. Precisamos saber ser resilientes. A loucura não pode tomar conta de nós.
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Foto da Capa: Reprodução do Youtube