Na última terça-feira, 19 de novembro, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região sediou mais um encontro de mediação entre representantes da categoria das catadoras e catadores de materiais recicláveis e da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
A partir de solicitação dos catadores e por encaminhamento do ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alberto Bastos Balazeiro, coordenador do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro, essas reuniões vêm sendo realizadas para tratar da remuneração digna do serviço prestado pelos trabalhadores da reciclagem, da recuperação das estruturas precárias das unidades de triagem e, sobretudo, da possibilidade de a Capital firmar uma Parceria Público-Privada (PPP) com uma única empresa para gerir o recolhimento, a separação e a destinação de resíduo doméstico de toda a cidade.
Cabe sempre lembrar que Porto Alegre já foi referência na gestão de resíduos sólidos no Brasil, tendo sido uma das primeiras cidades brasileiras a adotar a coleta seletiva, em 1989. Durante a década de 90, houve a formação de cooperativas de reciclagem de resíduos sólidos, com o objetivo de melhorar o sistema de coleta seletiva, e também realizar a inclusão social de catadores que, até então, atuavam de maneira informal. A remuneração por volta dos anos 2000 chegou a ser de cerca de 2 salários mínimos por catador cooperativado, valor resultante da venda do material segregado, havendo aproximadamente 750 trabalhadores nessa atividade.
Desde 2018, a relação entre o poder público municipal e as unidades de triagem passou a ser gerida por contratos de prestação de serviços, com valores irrisórios. Para dar exemplo, cada cooperativa recebe atualmente, segundo o site do próprio DMLU, cerca de R$ 5.200, montante muito abaixo do razoável para cumprir com todas as obrigações de operação e contas de luz, água, gás, internet, entre muitas outras. O resultado da comercialização dos resíduos é dividido entre os integrantes das associações ou cooperativas que gerem cada unidade de triagem. Mas a quantia arrecadada com a venda vem sendo, há bastante tempo, insuficiente para servir de renda para quem trabalha segregando resíduos, fazendo um serviço de utilidade pública e ambiental. Hoje são cerca de 500 cooperativados e os ganhos mensais por pessoa têm ficado bem aquém de um salário mínimo.
Além das catadoras e catadores que atuam de modo organizado nas cooperativas, estimam-se mais 3 mil trabalhadores autônomos que também tiram seu sustento da reciclagem. Esse público atua, em especial, catando resíduos depositados nos contêineres implantados pela prefeitura nos bairros mais centrais de Porto Alegre. Sem a simultânea educação ambiental e fiscalização que seriam devidas, tais contêineres acabaram por estimular a população a despejar seus resíduos ali, sem a necessária separação, o que vem ocasionando diversos problemas, entre eles, a desvalorização dos resíduos recicláveis selecionados por catadores autônomos, a diminuição do volume de recicláveis destinados às cooperativas via coleta seletiva e o aumento do volume de rejeitos direcionados ao aterro sanitário.
Na última década, houve expressivo aumento na geração e descarte de resíduos sólidos. No entanto, grande parte desses materiais, novidades criadas pela indústria do plástico, tem baixíssimo ou nenhum valor comercial, onerando o trabalho de segregação, abarrotando os galpões de rejeitos e não trazendo qualquer retorno pecuniário pelas muitas horas que esse trabalho envolve.
As instalações de diversas unidades de triagem já estavam em situação muito precária em função da falta de manutenção e das fortes chuvas de novembro de 2023 e de janeiro de 2024, quando foram novamente atingidas pela enchente de maio de 2024. Das 17 unidades de triagem da Capital, 7 ficaram totalmente submersas. Muito além de perderem o espaço de trabalho, materiais que estavam prontos para comercialização, dias sem triar e auferir renda, grande parte dos trabalhadores dessas unidades – a maioria mulheres – também teve suas próprias casas atingidas, ampliando a situação de calamidade e vulnerabilidade social. A partir da campanha SOS Catadoras das Unidades de Triagem de Porto Alegre, promovida pela sociedade civil, foram distribuídas cestas básicas, kits de limpeza, EPIs e água para unidades e trabalhadoras que estavam sem abastecimento. A prefeitura não tomou qualquer iniciativa nesse sentido.
A categoria agora depara com a ameaça de a Prefeitura entregar todo o sistema de resíduos da Capital, do recolhimento à venda dos recicláveis, para uma empresa por 35 anos. Uma única empresa ficaria responsável pelo que hoje é gerido em 70 contratos, incluindo os das cooperativas. A própria Secretária Municipal de Parcerias, Ana Pellini, mencionou, em matéria do jornal gaúcho Zero Hora, ter medo de selecionar uma empresa com capacidade para fazer todo o serviço. Essa medida vai na contramão do que prega a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que reconheceu as cooperativas de catadores como parceiras essenciais na coleta seletiva e no tratamento de resíduos recicláveis, além de ter incentivado os municípios a contratarem diretamente as cooperativas para atuarem na coleta seletiva e na triagem de resíduos recicláveis, valorizando a mão de obra dessa categoria.
Diante de todo esse cenário, a categoria das catadoras e catadores de materiais recicláveis reitera sua reivindicação de pagamento pelos serviços ambientais prestados. Conta, portanto, que a Prefeitura apresente, com base em parâmetros objetivos, proposta concreta de valores e formas de remuneração às trabalhadoras e trabalhadores. É questão de justiça e de dignidade. Da mesma forma, reivindica um planejamento com prazos de execução definidos para melhorias urgentes e manutenção completa de todas as Unidades de Triagem. As catadoras e catadores ainda clamam pelo cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos no sentido de reconhecer, valorizar e priorizar as cooperativas de reciclagem na gestão dos resíduos sólidos em Porto Alegre, desejando serem incluídos em qualquer mesa de negociação que repense a gestão dos resíduos sólidos urbanos.
Essa é a luta das catadoras e dos catadores. Mas deveria ser a luta de todos nós. Por questões de justiça ambiental, de dignidade humana, com certeza, mas também de aumento da reciclagem de resíduos sólidos, melhoria na prestação de serviços da coleta seletiva como um todo, redução do volume de material enviado aos aterros sanitários e consequente diminuição na geração dos gases de efeito estufa. E porque é lei: a Política Nacional de Resíduos Sólidos instituiu a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida de produtos, o que atinge a todos que consumimos e geramos resíduos. Difícil é achar argumentos pra ser contra as reivindicações da categoria.
Convido você a fazer parte desse movimento e a espalhar essa ideia. Fale com seus amigos, vizinhos e, especialmente, mande um e-mail para o vereador ou a vereadora que você elegeu na Câmara de Vereadores, falando por que você apoia a causa das catadoras e catadores. Ainda sem tempo hábil para avaliar o resultado da mediação do dia 19, espero que tenha sido uma vitória de todas e de todos nós.
Roberta Scheffer é servidora pública, idealista ambiental e integrante dos grupos POA Inquieta Sustentável e Resíduos.
Todos os textos dos membro do POA Inquieta estão AQUI.
Foto da Capa: Lúcio Bernardo Jr. / Agência Brasília / GDF