Participar da 3ª edição do evento Diálogos Afocefe/Sindicato dos Técnicos Tributários da Receita Estadual do RS no dia 28 de agosto, ao lado do meu amigo Marcos Weiss Bliacheris, foi emocionante. Saí do encontro com a energia revigorada. Agradeço à Claudia Meyer, da Associação de Famílias e Pessoas Autistas, pelo convite, e à Flavia Boni Licht, arquiteta e amiga com quem aprendo muito, que me acompanhou em mais esta jornada. Acessibilidade e Inclusão, oportunidade e igualdade de condições para todas as pessoas em todos os lugares é a nossa luta. Sabemos que para isso acontecer efetivamente os recursos necessários são simples. Precisamos mesmo é da determinação, da boa vontade e do acolhimento dos administradores das cidades, das escolas, das empresas, enfim. O evento aconteceu na Semana da Pessoa com Deficiência. E foi estimulante compartilhar experiências e inquietações que cercam a vida de pessoas que, como eu, têm uma dificuldade. Falar de Diversidade é falar de Acessibilidade e Inclusão. É encarar o preconceito e cuidar para não cair em conceitos que rotulam as diferenças e endeusam a superação.
Abri minha fala com um poema do amigo mineiro Altair Sousa, que diz muito do que é SER – “Ser o melhor pra quê? / Pra quem? / A qual custo? / Ser a gente já é tarefa árdua demais, / já é o bastante! / Na tarefa do ser “o melhor” / o parâmetro é quase sempre o outro, / Já no exercício do ser “o que nos toca” / a medida é sempre a gente”.
Os espaços de legitimação das diferenças são ainda pontuais e frágeis. Incluir não é concessão, como de modo superficial são percebidos os direitos das pessoas com deficiência. As microagressões, muitas vezes disfarçadas, são cotidianas. Optei, então, por respirar fundo e seguir firme. Não há Diversidade sem Inclusão e sem Acessibilidade, busca que é uma das minhas bandeiras, estimulada pelo desejo de ainda viver em uma sociedade que respeite as pessoas, independente da condição física, mental, intelectual, visual, auditiva, idade, aparência, tamanho, raça, cor da pele, gênero, orientação sexual, até os estigmas tribais de raça, nação, religião e classe social. Uma sociedade que respeite todas as diferenças porque somos diversos. Ninguém é igual a ninguém.
Não queremos a “normalização” que enquadra e segrega.
Queremos dignidade para viver a nossa condição.
O que há de concreto no cotidiano das pessoas com deficiência? O que dizer da banalidade do capacitismo que permeia os ambientes e nos vê como seres inferiores ou menos capazes que os demais? O que a maioria da população entende por diversidade? Quem promove a inclusão na sociedade contemporânea? São muitas as inquietações e perguntas. Mas o que percebo efetivamente é uma exigência de normalização para a vida em sociedade. Uma cruel inversão de valores porque não é a pessoa com deficiência que deve “normalizar-se” ou “superar-se” para a sua integração. A sociedade é que precisa atender às necessidades de sua gente múltipla. Mas o que aparece é uma inércia, proposital ou não, no sentido de esperar que nós, os “estranhos neste ninho”, superemos barreiras, sejam quais forem.
Esta é uma questão que deveria ser assumida pelos governos, em todas as esferas públicas, em parceria com as famílias, as comunidades e as escolas. Mas para isso é preciso desacomodar conceitos seculares e mostrar que a sociedade é o resultado da soma das diferenças e não de indivíduos hipoteticamente iguais. Incluir é possibilitar a independência das pessoas, é efetivar um direito social, sem julgamento.
É importante lembrar da Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência), sancionada em 2015 com base na Convenção da ONU. Foi criada para assegurar o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais, visando inclusão social e cidadania. Significou um grande avanço, mas não é levada a sério como deveria e poucos conhecem. A Lei (nº 13.146, de 6 de julho de 2015) é clara nos seus princípios e define como pessoa com deficiência “Aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, e que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. É uma lei que garante direitos para mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, segundo dados levantados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2019. É quase 25% da população do Brasil, praticamente a população da Argentina. Não é pouco! Falo de crianças e jovens que precisam estar nas escolas. Falo de pessoas adultas que precisam ser inseridas no mercado de trabalho, respeitadas nas suas condições para exercer seus direitos e deveres com a autonomia possível e em condições de igualdade.
Nós, os chamados deficientes, temos limites, sim. E como diz minha amiga pernambucana Carla Abreu, que também tem nanismo, a sociedade nos violenta ao não reconhecer os limites e exigir de nós a tal “superação”, espécie de passaporte para que sejamos aceitos, uma forma de subestimar nossas potencialidades. A sociedade nos violenta quando nos faz acreditar que nossos corpos, nossas mentes e nosso desenvolvimento físico e intelectual, por não corresponder ao script construído como padrão, não são normais. Nossa existência não é legítima como as demais porque nosso modo de estar no mundo não é natural. Mas somos humanos. E não podemos nos violar, nem física nem emocionalmente, na busca de uma perfeição que não tem o mínimo sentido. Viver sob a expectativa da superação é viver sob uma contínua cobrança.
A grande tarefa das famílias, dos professores, do Estado é educar para a diversidade.
Dialogar, ensinar, dividir experiências, sensibilizar a sociedade para as limitações das pessoas com deficiência e reivindicar direitos e políticas públicas que priorizem a inclusão e a acessibilidade é fundamental. Uma educação voltada para as diferenças, que reconheça o outro e suas dificuldades, é o melhor caminho, em casa, na escola, na rua, nos espaços públicos. É um dever das administrações municipais, estaduais e federais, em sintonia com suas comunidades. E cabe às empresas entender os limites de uma pessoa com deficiência, estimular sua inserção no trabalho, orientar, acolher, e não apenas jogá-la em uma função para cumprir a lei.
Ver o outro com sensibilidade é transformador
Precisamos refletir sobre o que nos leva a excluir e penalizar aqueles que consideramos inferiores a nós. Por que nos é tão difícil o pensamento coletivo, livre de preconceitos? Quase ninguém vê a singularidade de uma pessoa com deficiência, que transpõe infinitas barreiras físicas, sociais e emocionais diariamente. De um modo geral, esta pessoa é vista como inferior por uma sociedade despreparada, que ergue barreiras quando deveria derrubá-las.
É importante lembrar que temos a ANNABRA/Associação Nanismo Brasil, que luta por políticas públicas e leis de acessibilidade e inclusão, presidida pela advogada carioca Kenia Maria Rio. Temos a ANNABRA/RS representada por Vélvit Severo, de Rio Grande, que escreveu a cartilha “Escola para todos – NANISMO” para contribuir com a inserção do filho Théo, com nanismo, na escola. Cartilha que mostra de forma simples e lúdica, a partir do cotidiano de uma criança, um caminho natural para o entendimento da diferença e do respeito às singularidades.
Sensibilizar os diversos segmentos sociais enfatizando que as pessoas têm distintas características e que todas têm direito ao trabalho, ao lazer, à uma vida digna é transformador. Ao longo dos séculos, um tipo humano considerado padrão foi usado como referência para a construção dos espaços, para a oferta de oportunidades e para a vida plena, o que, lamentavelmente, ainda acontece. Quem não corresponde ao padrão é marginalizado. Torna-se invisível. Derrubar tais barreiras é um dos grandes desafios da sociedade e de cada um de nós.
Até porque como canta Caetano Veloso “de perto ninguém é normal” e “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Foto da Capa: Flavia Boni Licht / Divulgação