“Esse é o homem do destino, precedido de sinais, profecias, episódios premonitórios, o déspota genial capaz de subjugar as massas e restabelecer a ordem, o vencedor empolgante esperado por um tempo longo demais por um povo deprimido pelos efeitos de um drama interminável, inconcludente, enfadonho, no qual tudo é concatenado, porém nada é fatídico.” (SCURATI, Antonio. M o Filho do Século. RJ: 2019, Ed. Intrínseca, p. 600)
No final de outubro de 1922, Benito Mussolini põe em marcha seus fascistas rumo a Roma para tomar o poder.
O rei italiano Vítor Emanuel III, sabendo dos acontecimentos, encontra o presidente Luigi Facta e decide que Roma deve ser defendida a qualquer custo, pede a elaboração do decreto de estado de sítio e a suspensão dos transportes.
Com os trens suspensos, os camisas negras continuam o trajeto por bosques e florestas sob chuva torrencial.
A estratégia é se deslocar a partir do norte italiano conquistando os principais pontos e cercar Roma antes da derradeira investida.
Em Cremona, os fascistas tomam a Prefeitura, mas, em curto espaço de tempo, são presos sem maior resistência.
O Duce, que acompanhava os desdobramentos em Milão, na sede do seu jornal, Il Popolo d´Itália, é cercado pela guarda real, enquanto o restante do comando golpista também está sob a mira de canhões no Hotel Brufani em Perúgia.
Mussolini vai conversar pessoalmente com o major da guarda real responsável por sua captura: “-Senhores, aconselho que reflitam sobre o caráter do nosso movimento. Não há nada que vocês não aprovem” e, “de qualquer maneira, a resistência dos senhores é inútil: toda a Itália, até Roma, caiu em nossas mãos. Informem-se”. A guarda real recua e não prende o Duce do Fascismo.
O golpe de estado foi uma fake news brilhante, pois, na verdade, a marcha sobre Roma já tinha falhado completamente, com rendições e derrotas em Cremona e Florença.
As três colunas de camisas negras que se dirigiam a Roma contavam com 10 mil homens sedentos, famintos, mal armados, muitos carregando revólveres, punhais, ferramentas agrícolas e maças curtas, com pouco ou nenhum treinamento militar à exceção de ex-soldados que comandavam as tropas.
A defesa de Roma contava com 28 mil militares fortemente armados, com 60 metralhadoras, 26 canhões e 15 tanques, comandada pelo Gal. Pugliese, um veterano com larga experiência bélica.
Apesar disso, em 28 de outubro de 1922, Alfredo Rocco, líder dos nacionalistas, acerta a entrega do governo para Mussolini em troca da deposição de armas, o que é comemorado pelo rei.
Em 30 de outubro de 1922, o Duce chega em Roma e é recebido por centenas de camisas negras que cantam a plenos pulmões o hino fascista nas estações por onde passa seu trem:
Giovinezza, giovinezza,
Primavera di bellezza
Per la vita, nell’asprezza
Il tuo canto squilla e va!
E per Benito Mussolini,
Eja eja alalà
E per la nostra Patria bella,
Eja eja alalà
A Marcha sobre Roma só viria a acontecer em 31 de outubro de 1922, após a posse do governo fascista.
100 anos depois, em 31 de outubro de 2022, um dia depois do segundo turno das eleições, golpistas marcharam para a frente dos quartéis brasileiros pedindo intervenção militar contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e para a recondução do Jair Bolsonaro à presidência da república.
Em 12 de dezembro, bolsonaristas tentaram invadir delegacias, depredaram prédios e incendiaram ônibus em Brasília. Apesar das horas de terrorismo nas principais ruas da capital brasileira, ninguém foi preso.
24 de dezembro: apoiadores do presidente derrotado colocam uma bomba em um caminhão de querosene de aviação que se dirigia ao aeroporto de Brasília, a qual conseguiu ser desarmada antes da tragédia.
A escalada golpista atingiu seu clímax no dia 08 de janeiro com a Marcha sobre Brasília, quando os bolsonaristas, sob o olhar complacente da polícia do DF, invadiram e destruíram a sede dos 3 Poderes para consumar o golpe de estado.
Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, enfrentou a tentativa de golpe afastando o governador bolsonarista do DF e determinando a detenção dos invasores. Deu-se a maior prisão em flagrante da história do Brasil: 1500 presos em 48 horas. Xandão também mandou desfazer os acampamentos golpistas nas frentes dos quarteis sob pena de responsabilidade pessoal de prefeitos, governadores e militares. Em seguida, mandou prender o Secretário de Segurança de Brasília, ex-ministro de Bolsonaro, por possível envolvimento nos atos golpistas, momento em que se descobriu na casa dele um esboço de Decreto para consumar o golpe de estado.
A Marcha sobre Brasília falhou desgraçadamente.
Mussolini confessava nas suas cartas que a Marcha sobre Roma seria uma tragédia se houvesse a menor resistência. Seus fascistas só eram bons em espancar em grupos pessoas desarmadas, não tinham coragem, nem disposição para encarar alguém com capacidade de se defender. O Duce trabalhou com a mentira, manipulou o medo e tomou o poder sem maiores batalhas.
Se houvesse alguém com a coragem de Alexandre de Moraes, certamente a Itália não teria vivido negros anos de fascismo.