Talvez seja pretensiosa a afirmação de que “o Direito do Trabalho morreu”. Na maneira como observamos o Direito do Trabalho e todo o aparato estatal ou não que o circunda, se ele não morreu, está em vias de. Quem sabe numa UTI, mantido por aparelhos e servindo a interesses que não necessariamente são aqueles que deram origem a este ramo do Direito. Quem sabe útil à burocracia que trabalha em muitas das instituições encarregadas de dar eficácia às normas jurídicas ou aos políticos, num amplo sentido, que sobrevivem nos aparelhos privados encarregados da representação dos trabalhadores. Mas a proteção ao trabalho humano não. Ou seja, como regulador jurídico da compra e venda de trabalho, não mais apresenta qualquer vitalidade ou eficácia.
É importante salientar que não se pode medir a incidência do Direito do Trabalho pelos números. Dizer que tramitaram dois milhões de novos processos em 2024 na Justiça do Trabalho e tirar deste número a conclusão de que este ramo do Direito é importante é confundir as coisas. Aliás, nada mais ingênuo que afirmar que um grande número de “problemas” postos ao Estado para solucionar expressa a importância deste. Apenas como exemplo, os quase quinhentos mil homicídios no Brasil para o período de 2015 a 2024 denunciam mais a falência do sistema social do que a relevância do aparato penal na prevenção de crimes, nele incluído a legislação, do que qualquer outra coisa. Ter dois milhões de processos judiciais indica apenas uma coisa: é fácil, lucrativo e não gera qualquer consequência para o empregador descumpridor ou empregado aventureiro litigar na Justiça do Trabalho.
É muito complexo falar de um fenômeno jurídico em poucas linhas, portanto fiquemos com um lado dele, qual seja: é certo que o Direito do Trabalho é produto das lutas dos trabalhadores diante das condições de trabalho instauradas no processo de compra e venda do trabalho no mercado. Uma das garantias alcançadas, e talvez a de maior relevância, foi o entendimento de que esta mercadoria, e alguns teóricos iniciantes do Direito do Trabalho negavam até essa condição de bem negociável no mercado, não era uma mercadoria qualquer. Considerando o fato de que ela era indissociável do ser humano, muitas consequências adviriam, sendo as mais óbvias: uma vez usada, não tinha como retornar ao seu titular, o seu uso deveria implicar em condições mínimas de saúde que não comprometesse a existência, total ou parcial, do trabalhador, etc. Ou seja, ao contrário de uma camisa que pode ser devolvida e se destruída substituída por outra, a força de trabalho nem podia ser devolvida e, se morto o trabalhador, esgotava-se qualquer possibilidade de restauração.
Para dar respaldo a uma necessidade de se descolar a negociação desta mercadoria de tantas outras, muitas lutas foram travadas, legislações aprovadas e teorias jurídicas criadas. Nesta quadra do Século XXI, as lutas secaram ou se contentam em reivindicar salários não pagos, manutenção de regras de acordos coletivos que estão escritas há pelo menos 10, 20 ou 30 anos sem qualquer alteração e percentuais de reposição salarial com base na inflação. A legislação sofre uma desidratação evidente, que o digam as interpretações dos tribunais e as leis aprovadas. Por fim, os teóricos, esses foram esquecidos da praxe jurídica. Tudo de novo que traziam os pensadores jurídicos, alguns deles do século XIX, foi esquecido e retornamos às bases contratuais civis sem que sequer se apercebam os envolvidos no debate.
Fábio André de Farias é desembargador corregedor do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região (PE).
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