Essa semana assisti ao filme “O Quarto ao Lado”, do Pedro Almodóvar, estrelado por Tilda Swinton e Julianne Moore. Ele traz um tema sobre o qual se falou recentemente e amplamente na imprensa aqui no Brasil, a morte assistida, quando Antonio Cícero, filósofo, poeta, compositor, praticou ela na Suíça, único país que aceita fazê-la por estrangeiros. E o tema da morte e o morrer tem mexido muito comigo nos últimos tempos, pois esse ano em especial, quase tive um encontro com ela e fiquei pensando a respeito e em todas as suas variações possíveis.
Logo em janeiro deste ano, infartei, quando tive muita sorte em resistir, diferente de meu pai que morreu infartado, prematuramente. Sorte, providência divina ou destino, sobrevivi ilesa. Pronta para viver, viver muito bem por muito tempo. Mas essa experiência me encheu a cabeça de perguntas: e se eu tivesse escapado com sequelas, muitas sequelas? Se tivesse acordado numa cama de hospital, dependente, com respirador, tubos, numa UTI. Ia querer continuar a viver? Quem iria me ajudar? De que maneira?
Na semana passada, vi muita gente e a imprensa abordando o tema da morte do Antonio Cicero, no geral, causando mais confusão do que ajudando a esclarecer a situação. Talvez você já conheça a respeito, talvez não, porque sobre esses temas se fala baixinho, meio escondido… como se falar de morte chamasse ela pra gente. Porém, como dito por Ana Claudia Quintana Arantes, médica paliativista, “não falar sobre a morte não prolonga a vida”, por isso gostaria de apresentar abaixo alguns conceitos que cercam o assunto.
Morte Assistida – é quando o/a próprio/a paciente pratica o ato que leva à sua morte, porém assistido/a, acompanhado/a por outra pessoa (no geral, escolhido/a por ele/a, que pode ser da área da saúde ou não). Esse/a acompanhante irá auxiliar, mas não praticar o ato em si. Foi o que ocorreu com Antonio Cicero na Suíça. Também é comumente chamado de suicídio assistido, mas especialistas desaconselham esse nome pela carga de simbolismo, significados e preconceito que a palavra suicídio carrega. No Brasil, é uma prática ilegal.
Eutanásia – a origem etimológica da palavra significa “morte boa”. Diferente da Morte Assistida, quem a pratica é outra pessoa, em geral da área da saúde, que não o/a paciente, com o menor sofrimento possível. No Brasil também é ilegal.
Ortotanásia – etimologicamente significa “morte no tempo certo”. Significa oferecer o tratamento proporcional aos sinais e sintomas para a pessoa que está em final de vida. No Brasil, podemos decidir sobre os limites que a medicina pode ir em relação aos nossos corpos.
Distanásia – etimologicamente significa “afastamento da morte” e é o exato oposto da Eutanásia, pois através de aparelhos, medicamentos e qualquer meio disponível realizar o prolongamento da vida do/a paciente, mesmo sem perspectiva de cura, não importando com qual nível de qualidade ela irá ocorrer. O Código de Ética Médica veda esse tipo de prática, mas, por conta da dificuldade de lidar com a morte, ainda se percebe a ocorrência dela no cotidiano.
Cuidados Paliativos – deixo aqui as palavras da Cristiane Moro, Mestre em Gerontologia Biomédica, Especialista em Cuidados Paliativos, Saúde Pública e Doula da Morte: “Cuidados Paliativos são os cuidados que todos os indivíduos merecem desde o momento em que há um diagnóstico de patologia que possa abreviar seu tempo de vida. Cuidados paliativos são fundamentais ao longo do percurso de doença e são cuidados valiosos para qualificar a vida das pessoas. São cuidados baseados na ciência e nos valores pessoais de cada pessoa, levando em consideração a individualidade, o conhecimento, as crenças e os desejos dos indivíduos. É um tema que também deve ser debatido, agregado aos cuidados de todas as pessoas.” Deixo também o link para a matéria especial produzida pelo Fantástico no dia 20/10 com a médica paliativista Ana Claudia Quintana Arantes sobre esse assunto. Clique aqui.
Diretivas Antecipadas de Vontade – esse é o instrumento no qual exercemos as nossas vontades e decisões de final de vida, caso não estejamos em condições de expressá-las. Afinal, que tipo de morte eu desejo? Em final de vida, quero ir para a UTI, que liguem aparelhos e sondas no meu corpo ou prefiro nada disso e apenas uma sedação com familiares e pessoas queridas ao meu redor? Como desejo meu velório? Cremação ou caixão? Se for cremação, tenho um lugar preferido para jogar as minhas cinzas? Quero doar meus órgãos? Esse documento pode ser feito e refeito, construído e reconstruído ao longo do tempo. A Cristiane Moro complementa que “podemos combinar com as pessoas próximas como desejamos ser cuidados, quais os desejos queremos que atendam no momento da morte, quais as pessoas que responderão por mim caso eu não possa fazê-lo… são questões fundamentais para o que chamamos de dignidade no momento de morrer: os desejos de cada indivíduo poderem ser atendidos até a morte chegar”. Estas diretivas podem estar contidas numa carta escrita à mão, mas é importante que exista um/a guardião/ã de confiança para que as decisões se façam cumprir na hora e, se elas se fizerem necessárias, e que saibam que este documento existe. Mas, se quiser que elas tenham “força de lei”, precisa ser registrado em cartório. Saiba detalhes aqui. Não confundir com Testamento, que tem legislação própria e se refere a questões após a morte de alguém.
Cristiane Moro afirma “que morrer é a única certeza da existência, ninguém nega, mas pensarmos que a morte pode refletir a forma como escolhemos viver, poucos se atêm. Ao falarmos sobre o tema, começamos a refletir o quanto podemos escolher para o processo de finitude da vida até a morte chegar”.
O filme O Quarto ao Lado ainda está em cartaz, fica a sugestão para convidar as/os amigas/os a ir ao cinema e aprofundar o tema. Outro convite é participar do Death Café em Porto Alegre, no próximo dia 9/11, para, em grupo, com bolo, café e um dedo de prosa, ir se acostumando e até curtindo o assunto.
Isso tudo também é pensar o futuro, vida, cuidado e amor uns com os outros.
Foto da Capa: Tilda Swinton, em O Quarto ao Lado / Reprodução do YouTube
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