Ao fim do show da banda de jazz Kiai no Teatro Bruno Kiefer da Casa de Cultura Mario Quintana, lembrei de uma música cantada pelo Gélson Oliveira: “transformando acordes em sementes/que podem brotar em qualquer lugar”.
O show da Kiai foi aplaudido de pé. É uma banda que se formou em Rio Grande e faz um som original, preciso e criativo e me pareceu com uma capacidade de se apresentar em qualquer lugar do mundo. Creio que o arrebatamento que causou aqui se repetirá onde quer que venham a tocar. É formada por Marcelo Vaz (piano e teclado), Lucas Fê (bateria) e Dionísio Souza (baixo elétrico e violão). Os três são também compositores.
Talvez a grande surpresa do trabalho deles seja executarem ao vivo temas próprios instrumentais ao mesmo tempo complexos e eficientes do ponto de vista de envolver quem está ouvindo. Não é uma música em que o prazer parece estar mais em quem toca do que em quem ouve. Não é um virtuosismo pelo virtuosismo. É refinada, mas sem deixar a gente de fora. Conduz quem ouve pela mão pra ir entrando no universo sonoro deles.
Pesquisei o a palavra Kiai no Google e encontrei isso: “Atletas de judô, geralmente no ato de realização das técnicas, gritam; este grito é conhecido no esporte como kiai, que literalmente significa convergência de espírito”. Combina perfeitamente com o som da banda. A convergência entre os três se estende até nós.
A Kiai estava entre os showcases selecionados pela FIMS 2022, Feira Internacional da Música do Sul, que baixou por aqui nos dias 6 e 7 de agosto. Essa feira acontece há anos em Curitiba. Tem como objetivo discutir e ajudar a encontrar novos caminhos para os artistas num cenário de declínio da indústria do disco. Nasceu no apogeu de uma nova onda de autoprodução, de festivais independentes, encontrando hoje os impasses e oportunidades da música no mundo que integra o físico e o virtual. Ah, e no meio do caminho, havia uma pandemia.
- Essa é a primeira vez em que a FIMS se espraia para além de Curitiba e realiza seletivas, debates e rodadas de negócios em outras cidades. Um dos momentos foi o pitching em que os músicos falam de seu trabalho para um grupo de curadores e produtores de festivais. Depois, houve um encontro individual para vender o peixe, uma rodada de negócios cara a cara entre o músico e cada produtor. Participei desse momento falando do meu trabalho solo Ricardo Silvestrin & Banda. Já aproveitei e convidei o Lucas Fê, baterista da Kiai, pra tocar comigo no show que vamos fazer no dia 2 de setembro, às 20 horas, na Casa de Espetáculos, em Porto Alegre. Ele topou e vai se integrar ao grupo que me acompanha, formado por João Maldonado no teclado, Éverson Vargas no baixo e Angelo Primon na guitarra e nos violões. Diferentemente da Kiai, meu som tem letra e música. Estão todos convidados!
E termino aqui com um poema do meu livro Typographo, editora Patuá, 2016:
MÚSICAS
Essa música não tem uma palavra e é alegre.
Essa outra é triste e nenhuma palavra disse.
Uma está na orelha esquerda, outra na direita.
Se essa música falasse – a música triste,
falaria só com palavra que ainda não existe.
Se a alegre com palavra dissesse o que a alegrava,
seriam palavras secretas que ninguém decifrava.
Sem palavra se entende melhor a tristeza
e na alegria se fica sem palavras.
Foi isso que cada música,
a alegre e a triste,
sem dizer
me disse.
Ricardo Silvestrin