Se o mundo não acabar antes, teremos carnaval em fevereiro. Então, é sempre oportuno nessa época lembrar de um dos gênios dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Na verdade, o que me fez lembrar dele, o grande Joãosinho Trinta, foi um pequeno vídeo que caiu pra mim no Facebook.
Viu? Quem anda desdenhando o Face perdeu uma joia de depoimento que reproduzo e comento a seguir. O vídeo de um minuto e quarenta segundos foi postado pela TV Brasil. O carnavalesco estava numa entrevista dada ao programa “Deles e Delas”, em 1991.
Ele disse que a sua inspiração para fazer seus desfiles veio da ópera. Ele era bailarino de Teatro Municipal. E considerava a ópera o conjunto de todas as artes assim como o carnaval. Via muitas similaridades entre essas duas manifestações artísticas.
Ambas se baseiam num libreto, numa história a ser contada. A partir disso se desenvolve o figurino, a cenografia que são os carros alegóricos, a própria música, a orquestra que é a bateria, e, por fim, a dança.
Nessa ópera a céu aberto, como ele chamou o carnaval de uma escola de samba, tem os passistas, como o corpo de baile, e o coral que canta e se movimenta, que são as alas. Essa visão do todo, da estrutura, da história a contar, a cantar e a dançar, tudo isso foi a base para que ele pudesse conceber desfiles que eu chamo de autorais.
Antes de Joãosinho Trinta não se tinha muito, pelo menos que eu me lembre, essa ideia de quem era o carnavalesco. Era o desfile da escola. Depois dele, era um desfile de Joãosinho Trinta. Sua criação propunha conceitos, reflexões. Foi do luxo, com sua famosa frase “O povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”, ao lixo, com os garis que limpam a pista depois que a escola passa sendo incorporados ao desfile.
A passagem desse artista pela vida do carnaval brasileiro aponta para outra questão. A batida ideia de que há um fosso que separaria uma arte erudita de uma arte popular cai por terra com o seu trabalho. Ele mostrou que há, na verdade, uma enorme intersecção.
Seja como bailarino do Teatro Municipal, seja como carnavalesco na avenida, a arte para ele pode ser inventiva, pode aproximar o que parecia distante, pode dialogar com ideias e desacomodar conceitos.
Os desfiles depois da sua intervenção artística passaram a incorporar muitos dos seus elementos. Na grandeza e luxuosidade, na crítica social e, sobretudo, no respeito à concepção do carnavalesco, a sua ópera a céu aberto segue ditando o perfil da avenida.