A palavra idoso é bem provável que oculte na sua aparência de respeito um etarismo. Entre as formas de discriminação, como o racismo, o machismo, tem-se também a discriminação contra pessoas com base em estereótipos associados à idade.
Desconfio desse sufixo oso. A princípio, não carrega em si uma depreciação, pois, assim como está em rancoroso, está em talentoso. Ou seja, pode se referir a qualidades tidas como positivas ou negativas.
Mas o que me levou à desconfiança é o fato de não termos esse uso em outras faixas de idade. Não nos referimos às crianças como criançoso, aos adolescentes como adolescentoso, aos jovens como jovoso, aos adultos como adultoso. Chamamos de crianças, adolescentes, jovens e adultos. Na lógica dessa denominação, viria talvez o termo velhos.
Não chamar de velhos parece revelar o preconceito de idade que a sociedade que cultua o novo tem na sua raiz. Ser velho num mundo capitalista, numa sociedade de alto consumo é ser o que deve ser substituído.
A indústria criou até o termo obsolescência programada. É um processo de aceleração da sentença de morte de um produto. É preciso que ele não dure muito para que o ciclo de consumo se acelere. Se velho tem nessa estrutura socioeconômica uma conotação negativa, soaria como um desrespeito chamar alguém de velho. Daí, o idoso.
O tal sufixo oso tem o significado, se comparamos com outras palavras que terminam com ele, de portador, ou daquele que tem, que carrega. Vaidoso, aquele que tem vaidade. Um ambiente silencioso é que tem silêncio. Idoso é, portanto, aquele que tem idade.
Mas todo mundo tem idade! Então, está subentendido que se trata de quem tem muita idade, uma grande quantidade de anos. A terminação também comporta essa ideia de aumento, como em horroroso. É algo cheio de horror.
Novamente a soma dos significados pode soar como negativa. Se ter bastante idade aponta para ser velho, e, se ser velho num mundo de consumo é ser descartável, ser cheio de idade, idoso, pode carregar toda uma carga depreciativa sob o manto de aparente respeito.
Enfim, a pesquisa como um detetive que examina palavras parece revelar que o buraco do etarismo é mais embaixo. Repousa a compreensão, como diria o velho Marx, na infraestrutura. A palavra é só uma manifestação, na superestrutura, da organização econômica que subjaz a tudo. Os preconceitos sociais de etarismo são apenas os sintomas de uma sociedade ancorada na ideia de que é preciso produzir mais do que se precisaria consumir. A expansão do capital precisa criar e criar mais e mais produtos e tirar de circulação outros tantos o quanto antes. Nessa estrutura econômica novo é um valor positivo e velho, negativo.
Portanto, seres humanos de todas as faixas etárias uni-vos!
E termino aqui com um poema do meu livro SOBRE O QUE, editora Patuá, 2019:
DATA
Ninguém tem a mesma idade,
nem nascendo no mesmo segundo.
O tempo que conta por fora
não é o que marca por dentro.
A memória do corpo,
uma coleção de acontecimentos,
o sentido e o sentir
que fazem o ponteiro
correr mais rápido ou mais lento.
Há sempre um tempo inexato,
um maior ou menor descompasso
entre o registro no cartório
e o que diz o calendário.
De tal modo que a data é um acordo,
um forçado consenso
entre o tempo de todos, tempo imaginário,
e o de cada um, vário e disperso.