Em virtude de uma cirurgia, tive que ficar cerca de quatro dias vendo televisão. Em situação normal, assisto pouco à programação televisiva: jogo do Grêmio, algum filme no aplicativo Mubi, um ou outro episódio do Papo de Segunda, resgate de algum Choque de Cultura, O Som do Vinil com o Charles Gavin e ficamos por aí.
Mas, dessa vez, tive que ver muito mais. Já começou na sala de espera da cirurgia, às sete e pouco da manhã. Ali mesmo me chamou a atenção como só tinha gente branca no telejornal. Apresentador e apresentadora, comentarista esportivo, apresentador da previsão do tempo, repórter, todos de cor branca.
A falta de representatividade de outras etnias se estendeu às matérias. Com enfoque predominante em atividades econômicas, gente branca entrevistava gente branca.
Essa mesma distorção da visão restrita da população como um todo apareceu em telejornais de outras emissoras. A pauta se centra em grande parte nas atividades do poder e da economia. É o que disse o presidente do Brasil, o que pensa o mercado, o que comenta o deputado, o que repercutem os comentaristas. Majoritariamente brancos.
A cobertura das atividades do mundo branco toma conta. Por mais que, em alguns casos, haja algumas poucas pessoas negras apresentando ou comentando, a pauta baseada nas preocupações do mundinho do capital trata da vida dominada pela branquitude.
Indígenas então praticamente não existem na tela dos telejornais. A menos que se esteja falando da preservação da Amazônia ou de invasão das suas terras, ninguém se lembrou de contratar algum como apresentador, repórter, comentarista ou sequer chamar como um entrevistado.
Há grandes pensadores indígenas no Brasil. Por exemplo, a Coleção Tembetá, da editora Azougue, editou seis livros com seis deles: Eliane Potiguara, Jaider Esbell, Kaka Werá, Sônia Guajajara, Ailton Krenak e Álvaro Tukano. Quem chama essa gente pra falar?
Um exceção em programa de debates foi o Papo de Segunda no GNT. Comandado na fase atual pelo apresentador Manoel Soares, um homem preto, trouxeram o Daniel Munduruku, que é professor de filosofia e escritor. Ele nasceu no Pará. É indígena oriundo da nação Munduruku.
Conheci e convivi com o Daniel na Jornada Nacional de Literatura em Passo Fundo. Uma das suas frases que não esqueci é “Deve ser muito chato ser o Chico Buarque”. Ele me falou isso após assistirmos ao frisson que causou a chegada do Chico ao evento para receber um prêmio pelo seu romance.
Daniel Munduruku observou que tratavam o astro da nossa canção como se não fosse uma pessoa. E tudo o que o Chico tinha feito eram umas músicas e uns livros. Creio que jamais ouviria isso das pessoas com quem costumo conviver. Lembrem que a arte para um indígena é parte da vida. Cantar, dançar, contar histórias não é algo delegado a alguns eleitos. É o respirar cotidiano.
Negar a diversidade é condenar a pauta televisiva, sobretudo a dos telejornais, a repetir tudo sempre do mesmo ponto de vista.