Estou a pensar sobre o cotidiano tumultuado desse tempo de guerras, desavenças, ofensas, milícias, abandonos, mortes e dores por todos os lados. Não importa quem será atingido. A ordem é atirar. Ou ofender. Aí, inesperadamente, me vem uma forte lembrança dos Beatles, meus ídolos forever, grupo que encerrou oficialmente a trajetória em 1970. Mais especificamente, a lembrança de John Lennon e sua parceira Yoko Ono. O ano era 1969 e John já não fazia mais parte do grupo de Liverpool. A guerra do Vietnã (1959 a 1975) estava na ordem dos dias e um movimento mundial pela paz tomava as ruas. Assim, em 4 de julho de 1969, Lennon e Yoko lançaram um compacto com a música “Give Peace a Chance”. Foi um grande sucesso a gravação do casal naquele momento.
E hoje quem vai dar uma chance à paz?
Não podemos nos entregar para um cotidiano estressante gerado pela ambição e por uma busca de excelência a qualquer custo que nunca serão suficientes para quem deseja comandar/dominar o mundo. Impossível ignorar que somos humanos, sujeitos a acertos e erros por mais conhecimento e experiência que tenhamos. A vida gira entre possibilidades, limites, emoções e não é justo nos fixarmos em expectativas que, muitas vezes, não são nossas, mas desestabilizam o nosso emocional e nos fazem sofrer. Vou dar só um exemplo – Uma vereadora de Arcoverde (PE) disse “em um discurso na plenária” que uma mãe foi “castigada por Deus” por ter um filho com deficiência. “Tinha alguma conta a pagar com aquele lá de cima e veio para sofrer”, argumentou. E pensar que esta criatura foi eleita para representar a sua comunidade é assustador. Particularmente, acho que Deus tem muito mais o que fazer. Até porque o mundo está de pernas para o ar.
As fronteiras entre o público e o privado estão tão borradas que já não conseguimos zelar pela nossa privacidade e a nossa paz interior. De repente, não mais que de repente, somos julgados por quem nem conhecemos. Olhar para o ser comum e finito que somos é essencial. Buscar maneiras mais simples, pacíficas, acolhedoras e alegres de viver é o caminho, assim como ouvir quem nos critica e acolhe. Amigos, encontros, respeito, delicadeza, tolerância, boas leituras. Em nome de uma vida menos áspera e mais afetiva.
“Quem lê, sabe o caminho”
Em outubro vivi dias intensos de conversas e reflexões sobre nanismo, preconceito, acessibilidade, inclusão. Encontros de muita aprendizagem e emoção na Casa dos Raros e na Estação Acessibilidade da Feira do Livro de Porto Alegre. Encontrei amigos e conheci pessoas incríveis que estão em busca da diversidade como eu. A sabedoria do slogan da Feira, “Quem lê, sabe o caminho”, aliada aos livros que tomaram conta da Praça da Alfândega, foi mais um motivo de grande emoção. E vamos trilhar este caminho até o dia 15 de novembro.
Assim eu sigo! Inspirada pelos encontros, pela escrita, pela palavra cantada, pela poesia. E falar em poesia neste momento é falar do mineiro Altair Souza que me encanta e estimula com sua prosa.
– “Não adianta brigarmos com as cercas de arames farpados que rodeiam as nossas vidas. O segredo é termos sempre no bolso esquerdo do peito uma agulha para nos remendarmos quando formos rasgados. Viver é isto: É rasgo, é remendo, é retalho e é, enfim, a colcha dos costurados do viver”. Encontrei este texto tão sensível no facebook do Altair em 23/10/2023 e guardei porque diz muito da nossa vida e dos remendos que precisamos fazer cotidianamente.
Assim eu agradeço novamente a Carlos Drummond de Andrade pelo “Poema de Sete Faces”, que tanto inspirou a Marlene, minha irmã, e eu, e nos impulsionou para a vida. “Quando nasci, um anjo torto / Desses que vivem na sombra / Disse: Vai, Carlos! Ser gauche / na vida”. Fomos.
E assim, pelas margens, nasceu em 2020 “E fomos ser gauche na vida”, livro estimulado e editado pelo Vitor André Rolim de Mesquita, da Pubblicato Editora, que deu eco à minha voz, às minhas margens e à minha busca por respeito e pela diversidade que nos constitui.
Foto da Capa: Feira do Livro de Porto Alegre / Pedro Piegas / PMPA