Janeiro, verão. Mais uma vez, como nas últimas muitas décadas, fui para Atlântida, meu canto de descanso no mundo. E pude ver o que já sabia, pude sentir o que já imaginava.
Caiu a Plataforma de Atlântida. Ou parte dela. Senti como se parte de mim tivesse desabado junto. Nossas vidas estão entrelaçadas. Nascemos lá nos anos 60/70 e passamos a conviver muito, especialmente nos longos verões da nossa infância. É exatamente ali que veraneio com minha família há 50 anos: na frente da Plataforma.
As pescarias de infância e minhas histórias de pescador eram ali na Plataforma. Com os caniços e todo o material que era do meu avô, um dos sócios pioneiros. As caminhadas até Capão iniciavam e terminavam ali. Era onde me encontrava com a Dana, minha eterna namorada. As conversas de final de tarde que tinha com meu pai, sentados nas cadeirinhas dobráveis e olhando para o mar, eram ali. Meu filme de vida tem a Plataforma como seu cenário.
Nos afastamos por um período, naquela fase de adulto jovem. Muito trabalho, morei fora uns anos. Mas nos reencontramos em seguida, como acontece com todos os bons amigos. Contei para a Plataforma das minhas aventuras e apresentei meu novo filho, que ela ainda não conhecia. Me conheceu criança pequena, brincando com planonda e jogando bola na sua frente. Agora ela me via correndo atrás de meus filhos, jogando bola ali nas mesmas areias, se lambuzando com os mesmos picolés coloridos. Ela estava um pouco mais velha, com algumas rugas, assim como eu. Mas continuamos com todo o carinho um pelo outro.
Os anos se passaram, ela foi ficando mais doente. Perdeu um dos braços. Recebeu certa ajuda, e a estrutura se manteve. Lá estava ela, minha amiga, imponente e resistente, participando de minha vida. Como sempre acontece com amigos inseparáveis. Meus filhos cresceram às suas sombras e em seus ombros. Meu pai faleceu, e muito peguei minha cadeirinha e fui chorar de saudades, em final de tarde, lá com minha amiga. Relembrando nossa história, e quantas alegrias e tristezas havíamos compartilhado.
Ano após ano, dois amigos convivendo e envelhecendo. Passando o tempo e repassando a história. E agora, pego de surpresa com seu desabamento, desabo em dor e choro. Minha amiga está muito doente, talvez não se recupere. Poucos amigos conviveram tanto comigo, me conhecem tanto, ouviram tanto meus pensamentos e angústias. O mais difícil de envelhecer não é saber que minhas estruturas sofrem com o passar dos anos, e também irão vergar algum dia, mas sim ver os velhos amigos se indo, com parte de nós.
Leandro Ioschpe Zimerman é cardiologista, Doutor pela Duke University (EUA), professor da Faculdade de Medicina da UFGRS e Membro Titular da Academia Sul-Riograndense de Medicina. Escritor amador nas poucas horas vagas, publicou um livro ("Férias no meu mundo") onde divaga sobre as coisas de que mais gosta: família, medicina, futebol, ironia fina, uma boa conversa, um bom silêncio.
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Foto da Capa: Reprodução do Youtube