O filósofo Luc Ferry (foto da capa) há mais de uma década desenvolve o tema do amor e propôs um imperativo categórico para a política neste século: “Aja de tal maneira que você possa querer que as decisões que você toma se apliquem também aos seres que você mais ama.” Seria a política do Amor, na qual se faz para a comunidade o que você faria para o seu filho. Queremos que um filho viva muito e bem. Aí temos os movimentos ecológicos, a inquietação com o planeta que deixaremos para os nossos filhos; a preocupação com saúde, pois viverão muito; e a imensa questão da educação, que precisa de uma reforma estrutural.
Vamos tomar o exemplo da energia, com a decisão quanto a abertura de uma nova frente de exploração de petróleo na Amazônia, que segue numa queda de braço entre os ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente. A desinformação é gigantesca e disseminada. Políticos imediatistas atacam a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. Na terça-feira desta semana (22) tivemos novo capítulo: a Advocacia-Geral da União (AGU) concluiu que uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) não impede o Ibama de conceder licença para explorar petróleo na foz do Amazonas.
Marina há meses vem demonstrando como é necessária uma mudança de paradigma e recorre à Roma Antiga: “A gente entra em declínio pela repetição. A repetição é a causa do declínio das civilizações”, e persiste na transição energética agora já. “Tenho insistido no debate que a Petrobrás deve, imediatamente, deixar de ser apenas uma empresa de exploração de petróleo para ser uma empresa de produção de energia. Nós (Brasil) vamos alcançar o pico, depois vamos entrar em declínio, e vai chegar o momento em que esse recurso vai desaparecer. Portanto, é fundamental estarmos onde a bola vai estar. Quem tem condições de fazer isso? Nós. O homem saiu da idade da pedra não foi por falta de pedra, foi porque descobriu coisas novas”.
Energia gratuita sem emissão de CO2
Olhar ao passado sempre ajuda. Na longa e complexa “batalha das correntes”, Nikola Tesla e Thomas Edison travaram a disputa quanto à distribuição de energia elétrica. Tesla, de origem sérvia, era físico e engenheiro eletromecânico, além de um genial inventor multidisciplinar. Edison, estadunidense, era um inventor mais na categoria de um experimentador voraz, com grande sucesso como homem de negócios. Edison defendia a corrente contínua, com uso de fios e cobrança pelo consumo. Tesla defendia a corrente alternada, que pretendia expandir com uso sem fios e sem cobrança pelo consumo, gratuita para todos.
Durante os primeiros anos de fornecimento de eletricidade, a corrente contínua foi determinada como padrão nos Estados Unidos e Edison não admitia perder os rendimentos mudando o modelo. Em 1882, contratou Tesla para melhorar os geradores de corrente contínua da Edison Machine Works. Mas Tesla tinha suas ideias para um sistema de energia elétrica baseado em corrente alternada e, depois de seis meses, seguiu caminho solo. Edison não hesitou em usar publicidade pesada e antiética para desacreditar o modelo de Tesla.
Se os dois tivessem continuado a trabalhar juntos – especula-se que Edison, mais tarde, teria se arrependido por não ter ouvido Tesla e migrado para a corrente alternada – talvez hoje as emissões de CO2 seriam ínfimas e não teríamos esse desmedido problema do aquecimento global. Tesla teria tido melhores condições para desenvolver trabalhos explorando seu vasto universo de ideias. Podemos ter uma noção do seu pensamento através do ensaio “O problema do aumento da energia humana”, publicado em 1900, na Century Illustrated Magazine (e-book traduzido por R$ 27,90 na Amazon e Google Books, vale muito ler), que é tão filosófico quanto científico. Para Tesla, “se você quiser descobrir os segredos do universo, pense em termos de energia, frequência e vibração”.
Entre inúmeras questões pensadas por Tesla, ele atentou que as antenas eram usadas, por décadas, para aproveitar e usar radiação eletromagnética livre, não-medida e ilimitada apenas nas comunicações. Os sinais de TV e rádio são ondas eletromagnéticas, e todas as ondas eletromagnéticas possuem uma certa quantidade de energia eletromagnética. Para converter esta energia em eletricidade utilizável, basta um dispositivo apropriado. Tesla demonstrou, assim, que a eletricidade pode ser gerada a partir de ondas de rádio usando uma antena simples, conectada a uma variedade de componentes elétricos, como capacitores, indutores, etc., tendo na outra extremidade terminais que forneciam corrente elétrica contínua.
Em vez de dar atenção às comunicações, ele sintonizou seu dispositivo para a coleta de energia gratuita. Tesla demonstrou também como uma máquina podia reunir o calor do ar ambiente, o que ele chamou de “Motor autoatuante”, já que funcionaria indefinidamente a partir da energia solar armazenada no ar. Trabalhou por anos para resolver os problemas técnicos de forma a demonstrar como essa fonte de energia ilimitada e gratuita poderia ser usada na produção industrial, sem o uso de gasolina ou combustível diesel, nem bancos de bateria.
As ideias de Tesla anteciparam muitas tecnologias que hoje são realidade. Em janeiro de 1926, ele fez uma reflexão que pode ser lida como uma descrição do smartphone: “Quando (a conexão) sem fio for perfeitamente aplicada, a Terra inteira será convertida em um enorme cérebro, o que na verdade é, sendo que todas as coisas são partículas de um conjunto real e rítmico. Seremos capazes de nos comunicar uns com os outros instantaneamente, independente da distância. Não só isso, mas por meio da televisão e da telefonia vamos ver e ouvir uns aos outros tão perfeitamente como se estivéssemos frente a frente, apesar de intervirem distâncias de milhares de milhas; e os instrumentos através dos quais seremos capazes de o fazer serão incrivelmente simples em comparação com o nosso telefone atual. Um homem será capaz de transportar no bolso de seu colete”. (Collier’s Magazine)
Já houve, portanto, a chance de uma decisão política que se aplicasse também ao seres que mais amamos. Mas a narrativa do poder dominante, do poder financeiro, prevaleceu e amargamos os resultados. Estamos, agora, novamente frente ao desafio de decidir pelo futuro de quem amamos. O modelo de energia que queremos para o planeta e que deixaremos para nossos filhos, netos e todos os seres vivos exige um entendimento das forças que movem o mundo e suas consequências. Essa decisão exige ainda uma disposição positiva para a demarcação das terras indígenas, pois os povos originários detém preciosa sabedoria de uso do meio ambiente, com a floresta em pé, com a defesa da Amazônia.
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