Uma e pouco da tarde. Uns três, ou quatro clientes, bandejões na mão, fazem fila no self service. Nas paredes, aparelhos de TV estrategicamente pendurados para permitir uma boa visão das telas. Nos fins de semana, o espaço é disputado palmo a palmo por torcedores de todas as cores do futebol nacional. Durante a semana, executivos da iniciativa privada, deputados, senadores, lobistas e funcionários públicos afinam, ali, durante almoços e jantares, detalhes de políticas públicas em execução, ou a serem executadas.
Nas TVs, o assunto é a violência em Copacabana. O âncora informa que a polícia encontrou e a Justiça decretou a prisão temporária do suspeito de ter agredido um homem a socos e chutes e o roubado com a cumplicidade de outros seis, ou oito parceiros, em plena manhã no mundialmente famoso bairro de Copacabana, a Princesinha do Mar, como a canta Nana Caymmi desde os idos de 1960.
Você viu, não? O sujeito caminha pela avenida Nossa Senhora de Copacabana em direção à academia de ginástica. De repente, vê uma mulher sendo atacada e resolve defendê-la. Pronto! A fúria dos ladrões se volta contra ele. É agredido a socos e chutes, desmaia. Caído na calçada, tem os bolsos revirados. Ninguém mais esboçou qualquer reação contra aquela barbaridade.
O volume da TV que mostra a trágica rotina num dos bairros mais famosos do país não impede que se ouça a conversa dos comensais ao lado, numa mistura de sotaques que vão do Nordeste litorâneo às coxilhas gaúchas. Pelas mesuras de uns e outros dá para saber que tem deputado na mesa, mesmo estando ele de costas para mim.. Ninguém no grupo sequer levantou os olhos para ver a reportagem sobre o assalto.
Mas dá para ouvir que tratam do aumento do fundo partidário para as eleições municipais do ano que vem. O poder executivo propõe que os partidos contem, para disputar as eleições em 2024, com R$ 993 milhões. A Comissão Mista do Orçamento aprovou a proposta que garante um pouquinho mais: R$ 4,9 bilhões para serem divididos entre as legendas que apresentarem candidatos. Agora o plenário do Congresso tem que aprovar também.
Na TV o assunto ainda é a violência. Agora, uma nota informa que tem gente boa, no Rio, se organizando em grupos e prometendo, em posts nas redes sociais, sair às ruas para “caçar ladrões”, numa espécie de volta ao tempo do olho por olho, dente por dente. Terminada a nota policial, vem a frase que dá uma sacudida na mesa vizinha:
“E agora vamos a Brasília ver as notícias de política!” O deputado foi o primeiro a se aprumar na cadeira. E se fez silêncio na mesa enquanto a repórter explica que, para criar um fundão de quase R$5 bi, será preciso tirar verba de vários programas sociais e dos programas de combate à violência. Aí, deu para ver caras de desprezo e ouvir frases críticas… à jornalista, claro, que editou juntas a informação da violência e o aumento de verbas para os partidos políticos. Na mesa onde estávamos eu e uns amigos, lembramos que o Brasil está entre os últimos na classificação do Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, que relatório da ONU, publicado no último dia 8 de dezembro nos coloca entre os líderes mundiais…de assassinatos.
É isso. O Estudo Global sobre Homicídios 2023 informa que o Brasil, quando se fala em homicídios per capita, é o 11º do mundo com 22,38 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes, média quatro vezes maior que a média mundial. Em números absolutos somos líderes nessa disputa macabra. Aconteceram no Brasil 10,4% dos 458 mil homicídios cometidos em 2021 em todo o mundo.
E assim vamos, de ré na educação e na qualidade do ensino e avançando céleres na criminalidade. O ataque em Copacabana e a ameaça de criação de uma nova milícia, desta vez na Zona Sul, ganharam repercussão. Quantos mais aconteceram e acontecem Brasil afora?
É preciso cuidado das autoridades, ou a Princesinha do Mar da Nana Caymmi vira, já, já, refenzinha do mal..
É preciso muito cuidado nosso, eleitores, para elegermos candidatos que prestem mais atenção ao que acontece nas ruas da cidades do que o que se negocia e se arregla nos gabinetes oficiais por aí. Ah! E torcer para que façam bom proveito dos quase R$ 5 bi que terão à disposição para prometer soluções milagrosas de todos os nossos problemas.
Foto da Capa: Violência em Copacabana | Reprodução