No setor de bandidagem da tecnologia, um golpe puxa o outro na velocidade da criação de um e-mail. Na área de investigação do malfeito, foram necessários quase 10 anos para se descobrir que, todos os meses, desde pelo menos 2016, milhares (milhões?) de aposentados e pensionistas do INSS são roubados por inescrupulosos dirigentes de associações e sindicatos supostamente criados para oferecer assistência médica, colônia de férias subsidiada e outros benefícios.
Sabe o que assusta? Nesse tempo todo, apesar de algumas denúncias terem chegado ao INSS, não passou pela cabeça de nenhum burocrata encarregado de lançar os descontos nas folhas de pagamentos das aposentadorias e pensões a ideia de checar as listas enviadas pelas entidades recebedoras do dinheiro para ver se tudo era legal…
Que só uns poucos lesados tenham reclamado é compreensível. Afinal, a grande maioria das vítimas da vigarice tem pouca ou nenhuma intimidade com a tecnologia que facilita um pouco a vida delas e muito a vida dos picaretas.
E fica tudo por conta da informática. O cidadão só sabe que é preciso inserir o cartãozinho na máquina, digitar a senha e pegar o dinheiro sem se dar conta – a máquina não mostra os descontos – que algum picareta, com a ajuda do descaso do burocrata, está tomando uma parte daquela já pouca graninha graças à mesma tecnologia que facilitou a inclusão do nome do lesado num convênio que ele, muitas vezes, não conhece nem de ouvir falar…
Mas vamos lá… o governo Lula descobriu a fraude. Suspendeu os descontos e promete devolver todo o dinheiro descontado ilegalmente. Quando? Ah! Isso ainda ninguém sabe. Cada vítima terá que procurar o seu direito, provar que foi lesada e esperar para ver o que acontece.
E aqui cabe uma pergunta: à suspensão dos pagamentos corresponde, também, a suspensão dos benefícios oferecidos aos integrantes das associações e sindicatos? Colônia de férias, assistência médica, psicológica, cursos… Não dá para esquecer que tem gente que autoriza o desconto para usufruir dessas benesses.
Enquanto isso, já temos uma consequência concreta: golpistas estão enviando e-mails para aposentados e pensionistas oferecendo serviços para a recuperação do dinheiro roubado…
O governo alerta para o golpe puxado do golpe… Mas sabe como? No terceiro e quarto parágrafos das notícias em sites e jornais, de onde a maioria dos lesados no golpe das associações passa longe. Não seria o caso de a Secom/PR – tão preocupada em recuperar a popularidade do presidente Lula – aproveitar o momento para uma campanha de esclarecimento sobre o golpe (que a direita está pondo no colo do Lula)?
Uns vídeos na TV e nas redes explicando direitinho o que fazer para recuperar a grana perdida, como se prevenir de novos golpes?
Não está na hora de executar o marketing de oportunidade? Transformar (perdão pelo lugar comum) o limão em limonada?
Internamente, com toda a tecnologia e expertise de que dispõe, o governo não tem grande dificuldade para identificar eventuais sócios dos golpistas infiltrados nos quadros funcionais do INSS e do Ministério do Trabalho e levantar todos os descontos não autorizados.
Mas isso é urgente. A rapinagem nas aposentadorias e pensões começou em 2016, no governo Temer, arrastou-se durante o (des)governo Bolsonaro e explodiu neste Lula III. Então, ou se esclarece tudo agora, com a devolução do dinheiro (antes de outubro de 2026) e a punição dos vigaristas, ou Lula vai para a campanha eleitoral – que já começou – levando às costas o peso da corrupção no INSS e da incompetência na apuração de mais esse malfeito.
Mas essa rapinagem, que hoje alcança o bolso raso dos aposentados do INSS, vai fazer buracos nas bolsas largas de muitos políticos. O golpe do desconto é mais um ingrediente azedo no bolo da rejeição popular à política e aos políticos.
A abstenção, que cresce de eleição para eleição, pode ser recorde em 2026. E o presidente a ser eleito pode ser levado ao Palácio do Planalto – ou mantido lá – mais pelos votos de quem tem mais medo de outros candidatos do que por votos de apoio a um projeto político.
Os resultados das pesquisas estão aí e devem soar nos ouvidos dos políticos como guizos nos gatos. Bolsonaro, embora inelegível, ainda é lembrado como provável vencedor. Mas 44% dos brasileiros têm medo da volta do ex-capitão ao governo.
Do outro lado, Lula lidera um governo rejeitado por 56% da população e a permanência dele no Planalto é temida por 41% dos eleitores. E quando o pesquisador quer saber em quem o povo não votaria de jeito nenhum, o resultado é empate. Lula e Bolsonaro têm 55% de rejeição.
A polarização, que hoje rebaixa e estreita o debate, bem poderia ser feita oportunidade de renovação na política. Não a renovação da negação, como pregam os reacionários de hoje, que essa, já vimos com Fernando Collor lá nos idos de 1990 e com Bolsonaro em 2018, não renova nada. Só atrasa.
O povo está pedindo alternativas. As que se apresentam atualmente não se sustentam sozinhas. Tarcísio de Freitas deixaria de lado a reeleição em São Paulo por uma disputa presidencial sem Bolsonaro no palanque? O mesmo vale para Romeu Zema.
E do lado de Lula? Se ele não for candidato, quem será? A ausência de Lula na disputa não seria entendida como o reconhecimento do fracasso do governo?
Então, Lula, acho eu, não tem saída. Vai ser candidato em 2026. Candidato de uma tal terceira via? Não creio.
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Foto da Capa: Marcelo Casal Jr / Agência Brasil