Há três anos, conversei longamente com Sérgio da Costa Franco, morto no último dia 13. Ele me recebeu em seu apartamento na Avenida Getúlio Vargas, entrevistei-o durante horas e tive a alegria de fazer uma longa reportagem sobre ele para o Jornal do Comércio, talvez uma das últimas e mais longas entrevistas que ele concedeu. E saí de lá com uma frase dele. A de que ele não se reconhecia mais na cidade em que escolheu para viver. Viúvo e morando em um apartamento no Menino Deus, Sérgio me falou que pouco saía de casa. Passava a maior parte do tempo lendo, sendo que já naquela época mais mesmo por distração, já que não planejava nenhum novo livro. “Quero apenas me ocupar com algumas atividades para não correr o risco de ficar deprimido”, me disse. Eventualmente, ele enviava artigos para jornais, mas também quanto a isso ele se ressentia pela falta de espaço. “Antes, era possível escrever longos textos analíticos. Agora é tudo muito reduzido”, lamentava.
Porto Alegre, para ele, havia crescido de maneira exagerada e desorganizada, perdendo muitas de suas características. Com o crescimento desordenado, a cidade acabou ficando estrangulada. Assim, por limitações físicas e também por não compreender mais sua própria cidade, Sérgio preferia não se arriscar em sair de seus limites mais próximos. Tinha medo de se perder num emaranhado de ruas e vias desconhecidas.
Se até os anos 70, as casas ainda se destacavam na paisagem, com o passar do tempo, os altos edifícios, com dezenas de apartamentos, passaram a dominar as ruas. E uma das causas mais nítidas pode ser também a violência. Esse era o aspecto contemporâneo que mais assustava Sérgio da Costa Franco. “Ao voltar a Porto Alegre, vivi a década de 70 ainda sem grades e sem temores. Caminhava-se de noite, mesmo nas ruas escuras, sem correr risco, salvo se se procurasse áreas conturbadas das periferias”, comparava. E ainda me falou como a violência interferiu na arquitetura. “Quando comprei minha primeira casa, os jardins não tinham altas grades, e a minha, sequer um murinho que a separasse do passeio. Assim ficou durante vários anos”.
Não é preciso ser muito idoso para ter conhecido uma Porto Alegre mais segura e menos medrosa, quando os jardins não tinham grades, nem portas e janelas eram gradeadas como celas de prisão. “Posso dizer que fui testemunha desse processo de encarceramento da classe média e do pânico que tornou nossas ruas desertas à noite, apenas frequentadas as que têm bares abertos e movimento de automóveis. Vivi essa transição da liberdade e da segurança para o cativeiro e o medo”.
Ao seu lado, eu também fui ficando saudoso de uma Porto Alegre que pouco conheci. Uma a do Largo dos Medeiros, o grande local por onde até os anos 70 passava a vida da cidade. Lá ocorriam debates, palestras, encontros políticos. Era um lugar de força política muito grande. E também um ponto de encontro natural. Você saía de casa e nem precisava marcar encontros. Era só chegar por lá que naturalmente você veria as pessoas. A vida de Porto Alegre era muito vinculada ao centro da cidade.
Outra, a dos balneários. Porto Alegre era rica em locais onde as pessoas podiam se banhar, ter uma vida quase que de praia de mar, só que à beira do Guaíba. Isso tudo se perdeu. É uma bênção para uma cidade ter um Rio Guaíba. E isso deveria ser mais valorizado e melhor aproveitado.
Foto da Capa: FB @Porto.Alegre.RS