Criado em 2003, o projeto Miniarte Internacional chega à sua 50ª edição e tem, nesse ano de 2024, o tema PAZ. A abertura da exposição, que reúne trabalhos de 156 artistas, com representantes de dez países, deu-se no dia 5 de outubro, na Galeria de Arte Gravura, em Porto Alegre.
Tenho acompanhado o projeto ao longo desses anos, com algum conflito de interesses, pela participação da Suzel em muitas dessas edições. Nessa última, que abriu espaço também para pequenos textos em prosa e poesia, não resisti ao desafio do convite.
Mas meu objetivo é direcionar o texto para a artista Clara Pechansky, que idealizou e mantém o projeto Miniarte Internacional.
Desenhista, ilustradora – fez várias capas de livros para a nossa lendária Editora Globo -, gravadora, pintora, Clara nasceu em Pelotas (RS), em 1936. Bacharel em Pintura pela Escola de Belas Artes de Pelotas (UFPEL) aos 19 anos. Mudou-se para Porto Alegre em 1957. Cursou Licenciatura em Desenho e História da Arte na Faculdade de Educação da UFRGS. Estudou com importantes mestres como Aldo Locatelli, Xico Stockinger, Glênio Bianchetti, Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves e Anico Herskovits. Realizou mais de 60 exposições individuais em vários países e representou o Brasil em mais de uma centena de coletivas ao redor do mundo, tendo conquistado importantes prêmios internacionais.
O que leva alguém com uma obra consagrada e produtividade ativa a estimular a criatividade alheia? Mais fama, fortuna, vaidade? Não. Sem chance. Acredito que há aí aquele germe que caracteriza o ímpeto de um mestre autêntico, a boa vontade de quem escreve poemas em garrafas e joga-as no mar, não como pedidos de ajuda, mas mensagens de estímulo, de instigação lúdica, de convites à visão do belo e do inusitado. Ludicidade, magia, bondade como a de quem se propõe a plantar macieiras até o último dos dias ou pinhões para as gralhas azuis do amanhã.
Segundo a idealizadora do Miniarte Internacional, não há seleção de obras. Há regras apenas em relação a um formato pré-estabelecido, uniforme, o que permite um espaço de expressão equalitário e as obras são dispostas em ordem alfabética. Sem perder a individualidade, há uma diversidade de influências culturais em torno do tema proposto. As obras não são julgadas ou premiadas, o próprio artista é quem escolhe o que melhor expressa a sua criatividade.
Nesses 21 anos do projeto, que contou com mostras em vários lugares do mundo e inúmeros participantes – conviria uma tese acadêmica para melhor avaliação da abrangência alcançada – diversos temas serviram de mote para as obras inscritas: magia, vida, ilusão, verdade, até o dessa edição, num ano tão conflagrado: paz.
Salve a paz, ainda que no ínfimo espaço de uma pequena gravura, no limite de oito versos. Pássaro que instigamos a voar e que retorna com um ramo de oliveira, entre nuvens pesadas. No intervalo de uma mentira e outra, de uma labareda e outra, de cinzas, de uma bomba e outra, de lágrimas, de suspiros. A arte é balsamo, mesmo que em pílulas, micro doses. Arte é potência que desarma.
Clara é casada com o psicanalista Isaac Pechansky, que há pouco tempo lançou o livro “Da Psiquiatria à Psicanálise: uma trajetória de ensino e aprendizagem” (Editora Território das Artes, 2022). A obra contou com ilustrações da esposa Clara e concepção gráfica de Liana Timm. Reúne ensaios preciosos, escritos ao longo de mais de 6 décadas, com o olhar de quem sempre soube compor medicina, psicanálise e arte. Prosa com a marca da elegância intelectual do querido professor de privilegiadas gerações.
Certas situações, fatos, circunstâncias, assim como algumas obras de arte, tornam-se tão emblemáticas, naturalmente indivisíveis, que desfazem qualquer suspeição de acaso em sua concepção. Assim também é com algumas parcerias de vida, Clara e Isaac, por exemplo. Linearidades distintas, mas paralelas simétricas que nos servem de confortante baliza.
“Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”. Desde a distante, hoje tão próxima Ucrânia, posso ouvir o antepassado de Clara, o rabino de Berdichev, citar o Talmud. Que não se desprezem pequenos gestos de paz, a soma destes alimenta a esperança. E, enquanto não nasce a primeira estrela, fazendo coro ao rabi: – Shabat Shalom!
Foto da Capa: Luis Ventura / Divulgação
Todos os textos de Fernando Neubarth estão AQUI.