Que bom que vocês voltaram para acompanhar minha reflexão após a última escrita!
Muitas pessoas que leram o artigo anterior me deram o retorno compartilhando os mesmos pontos de vista (ou não), acerca do que a boneca Barbie e a Susie representaram em suas infâncias.
Sabemos que os brinquedos fazem parte do universo lúdico da infância e não posso negar que essa marca da falta de representatividade me atravessou por muitos anos.
Não é um sentimento único, mas, sim, compartilhado com dezenas de pessoas, negras e/ou pobres, que não se viram por décadas representadas nos brinquedos ou em personalidades da TV. A falta de diversidade e representação pode ter um impacto imensurável nas crianças, afetando sua autoestima, identidade e senso de pertencimento. Quando as crianças não veem pessoas como elas sendo retratadas de maneira positiva e inclusiva, isso pode influenciar sua visão de mundo e de si mesmas.
As narrativas únicas que padronizam as pessoas e vivências precisam ser combatidas em especial nas nossas infâncias, momento importante em que as crianças aprendem sobre si na relação com o outro e os objetos que lhes conectam com a realidade e seu mundo interior em formação e maturação.
Muitos olhares sobre um mesmo produto: para uns apenas um brinquedo desejável e que oportuniza ser quem quiser: médica, veterinária, advogada, etc. Para outros e outras a ideia de inadequação de si na projeção com o objeto lúdico.
“Fernanda, mas você está exagerando um pouco nessa reflexão uma vez que a proposta do filme agora, anos de 2023 é outra”. Pois bem, não falo aqui sobre o enredo deste filme, mas o que o seu entorno traz consigo e a ativação de gatilhos em tantos.
Não encaro com ingenuidade a relação mercantil com os produtos destinados às infâncias, procuro fazer para mim mesma reflexões e aponto, enquanto educadora, a importância da intencionalidade nas escolhas dos brinquedos, livros e todo material consumível na primeira infância em especial.
Eu não sou contra a boneca, sou contra a padronização dela, contra termos bonecas negras muito mais caras e inacessíveis em muitos casos. Ao proporcionar uma gama diversificada de modelos e narrativas, estamos ajudando as crianças a desenvolverem uma compreensão mais abrangente da sociedade, o respeito pela diversidade e empatia pelos outros.
O brincar remete a relação do afeto e a ressignificação do amor através da interação; oportuniza às crianças negras e não negras o toque em brinquedos que afirmam a identidade negra e a construção do olhar positivo para a estética afro.
Existe um experimento social, já bastante antigo e que de tempos em tempos é reativado; ele coloca crianças diante de bonecas brancas e negras e perguntam coisas do tipo: qual é a boneca negra? Qual é a boneca boa? Qual é a boneca malvada? Não é surpresa que os rótulos depreciativos e racistas recaiam para a boneca negra.
O trabalho é árduo, não podemos relaxar! Confesso que seria muito mais fácil simplesmente “viver a vida” sem ter que problematizar tudo, mas não, a vida não dá tréguas para nosso povo e se assim não o fizermos, não constituiremos a identidade dos nossos erês.
Por fim, voltemos ao filme da Barbie: minha filha desistiu de assistir afirmando que perdera o interesse de vê-lo, pois é! Ela me contou que leu algumas críticas e spoilers diversos e tomou a decisão de não assistir por enquanto.
A discussão sobre o ser mulher aconteceu aqui em casa e sempre levamos para nosso lugar enquanto mulheres negras nessa sociedade. Segundo ela, “o filme é uma nova visão da boneca com temáticas do nosso tempo, ao contrário do que foi a boneca na tua época mãe!”
Que venham bonecas diversas, coloridas, empoderadas e conectadas com uma geração que merece ser respeitada e representada. Que sigamos construindo espaços em que nos percebamos e nos identifiquemos nas mais variadas fases da vida. Continuemos avançando.
Fernanda Oliveira é pedagoga pela UFRGS, mãe, professora, fundadora do Projeto Social Oorun que atua na afrobetização de crianças negras, cofundadora do coletivo de Profes Pretas, gestora de Filosofia e Cultura na Odabá. Foto da capa: Marlon Laurencio
Foto da Capa: Divulgação – Era uma Vez o Mundo