Fui cortar o cabelo na Lisi. Corto há anos com ela. Da última vez, cheguei um pouco mais cedo, uns dez minutos. Como não quis atrapalhar a sua rotina avisando que já estava na porta do seu edifício, vá que ela estivesse terminando o corte de outro cliente, ou mesmo contando com aqueles dez minutos para aprontar alguma outra coisa, fui caminhar pela Osvaldo Aranha. A casa dela é na João Telles, perto do bar Ocidente, em Porto Alegre.
Na vitrine da livraria Traça, dobrando a esquina, avistei excelentes livros. Tive logo a impressão da diferença que faz ter um livreiro que conhece de fato literatura. Não era uma exposição de best sellers, autoajuda, receitas mágicas para ficar rico e outros títulos aparentemente de fácil vendagem. Ao contrário, era de alto a baixo uma seleção com excelentes escolhas.
Entre elas, uma que me fez entrar, folhear e olhar o preço: Contos Reunidos, do José J. Veiga. Esse escritor, que nasceu em Goiás, em 1915, e morreu em 1999, no Rio de Janeiro, faz parte do meu time preferido de contistas e prosadores brasileiros do século XX. Coloco aqui alguns outros que figuram ao seu lado na minha estante: Aníbal Machado, Campos de Carvalho, Lygia Fagundes Telles, Caio Fernando Abreu, Mário de Andrade, Clarice Lispector, Moacyr Scliar.
Cortei o cabelo e depois voltei a Traça para comprar o livro. O episódio coincidiu com a leitura de matérias, na mesma semana, sobre a recuperação do fôlego de uma das maiores redes de livrarias do mundo, a Barnes & Noble. Num contexto de redução de vendas com a pandemia, somado às facilidades de compra pela Amazon, a rede teve que se reposicionar. O caminho: voltar a atender o desejo do que faz alguém ir a uma livraria.
A estratégia foi focar na escolha dos livros, o que pareceria óbvio se não tivéssemos atravessado recentemente a febre das mega livrarias que começaram a diversificar o mix de tal forma que o livro, o produto que deu origem ao negócio, acabou se diluindo.
A nova orientação também descentralizou as compras. Cada filial passou a ter autonomia para escolher os livros que mais se adequam ao perfil de sua clientela. Ou seja, o que me fez entrar na Traça, uma pequena casa do Bom Fim, é o que me faria entrar nas lojas da grande rede dos Estados Unidos.
E quanto à concorrência do e-book ou do comércio online? A Barnes & Noble considera que, quanto mais gente estiver interessada em ler, melhor. Tem mais público para atingir.
De cabelo bem cortado e livro bom pra ler, o que mais posso querer da vida?