Diante dos acontecimentos que marcaram a tarde recifense do dia 1º de fevereiro deste ano, não poderia me furtar a algumas reflexões sobre o ocorrido. Ideias que há tempos permeiam meu pensamento levam-me a esboçar aquilo que considero central nas ações perpetradas nesse dia por torcidas organizadas.
As noções de Horkheimer sobre a revolta da natureza interna permanecem extremamente atuais. Quais seriam as consequências? Ele questiona: violência, ódio, fúria. Isso geralmente se manifestará de forma gregária, em um contexto coletivo, pois o sujeito submisso — aquele que não assimilou completamente a autorrenúncia necessária à vida civilizatória, sempre acompanhada por certo grau de revolta — dissolverá sua subjetividade no grupo.
Como esse processo ocorre? Ele se dá, sobretudo, por meio da imitação (mimese) das características grupais. O indivíduo, ao integrar-se a um coletivo, adota seus comportamentos e valores não apenas como estratégia de sobrevivência e adaptação, mas também como um mecanismo de aceitação e ajuste social. No entanto, esse fenômeno não se limita à conformidade; ele também permite que o sujeito encontre uma via para extravasar o ódio latente gerado pelo próprio processo civilizatório.
Esse deslocamento da agressividade, que se dá sem um nível significativo de culpa individual, remete diretamente às reflexões de Melanie Klein. Sua teoria pode nos conceder a possibilidade de pensarmos que a projeção de impulsos destrutivos no grupo funciona como uma defesa psíquica, aliviando as tensões internas do sujeito. Assim, a adesão à coletividade não apenas dissolve a responsabilidade individual, mas também possibilita a externalização de impulsos reprimidos, tornando a violência ou a fúria emocional socialmente legitimadas dentro daquele contexto.
O ego, enquanto elemento ordenador da psique humana, exerce um controle inevitavelmente violento sobre nossas pulsões instintivas, especialmente aquelas de natureza agressiva e destrutiva. Em outras palavras, o processo de civilização exige uma renúncia às tendências mais primitivas, um sacrifício necessário para a vida em sociedade. No entanto, nem todos os indivíduos conseguem assimilar essa repressão de maneira saudável.
Quando a sublimação dessas pulsões falha ou se torna insuficiente, a energia psíquica reprimida busca outras formas de expressão. Assim, aqueles que não conseguem lidar adequadamente com essa renúncia tendem a externalizar sua fúria por meio de atos de violência contra o outro. Esse fenômeno pode se manifestar tanto em explosões individuais de agressividade quanto em contextos coletivos, nos quais o grupo funciona como um catalisador e legitimador dessa descarga emocional.
Ralf Diego Silva de Souza é psicólogo e professor universitário. Atualmente, é mestrando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e possui especialização em Psicologia Hospitalar pela ESUDA. Dedica-se ao estudo aprofundado de temáticas concernentes à Psicanálise Kleiniana, Marxismo, Teoria Crítica e Escola de Frankfurt. ralfsouzapsi@gmail.com;
Todos os textos da Zona Livre estão AQUI
Foto da Capa: Reprodução de Redes Sociais