A questão da segregação racial não é um tema atual no Brasil. Esse assunto teve sua gênese com a adoção de um processo escravagista instalado em nosso território, se intensificando no decorrer do século XIX, através da prática de medidas políticas e socioeconômicas que vedaram ao negro de se tornar um agente do espaço brasileiro.
Por isso que investigar a segregação socioespacial, tendo por base o indicativo de raça/cor passa a ser uma forma de demonstrar que as práticas sociais empregadas no passado contribuíram e ainda contribuem para a instituição dessa separação. Pode-se afirmar, inclusive, que os espaços segregados reproduzem geograficamente a segregação social, uma vez que apresenta, na sua grande maioria, uma infraestrutura inadequada.
Ao se avaliar Porto Alegre como um dos palcos da segregação socioespacial, como tantos outros existentes no território brasileiro, observa-se que a própria sociedade se converte em uma instituidora da própria pobreza, na medida em que emprega um modelo socioeconômico e um modelo espacial que contribui para que os pobres sejam cada vez mais pobres. E isso acontece no momento em que se reconhece a terra com o propósito de moradia, podendo ocorrer de duas formas. A primeira é uma consequência da autossegregação, ou seja, o afastamento das classes dominantes para determinadas áreas, propiciando uma reforma urbana que implica aumento do custo de vida da região, e respectiva manutenção de privilégios. Enquanto a segunda é decorrente da segregação imposta aos grupos sociais menos favorecidos, em que as opções de onde e o como morar, praticamente inexistem ou, até mesmo, às vezes, são ignoradas.
E são sobre esses menos favorecidos, que se procura alertar a sociedade para reflexão, uma vez que, na sua grande maioria, são negros, moradores de favelas e periferias.
A população porto-alegrense, de acordo com o censo de 2010, atingiu a marca de 1,4 milhões de pessoas, sendo que destes 78,70% se autodeclaram brancos, 20,65% negros (pardos e pretos) e o restante indígenas e amarelos. Na Tabela 1, apresenta-se uma comparação entre as características urbanísticas do entorno dos domicílios com ordenamento regular levando em consideração a cor ou raça.
Tabela 1 – Comparação entre brancos e negros em características urbanísticas
Brancos | Negros | |||||
urbanísticas do entorno | existe | Não existe | sem
declaração |
existe | Não existe | sem
declaração |
Esgoto a céu aberto | 5,00% | 94,82% | 0,18% | 11,50% | 88,10% | 0,40% |
Lixo acumulado | 5,73% | 94,09% | 0,18% | 12,53% | 87,07% | 0,40% |
Pavimentação | 88,00% | 11,82% | 0,18% | 73,76% | 25,85% | 0,40% |
Identificação logradouro | 66,05% | 33,77% | 0,18% | 49,95% | 49,65% | 0,40% |
Calçada | 77,13% | 22,69% | 0,18% | 52,51% | 47,09% | 0,40% |
Fonte: IBGE – Censo 2010
Ao se analisar a Tabela 1, observam-se algumas características importantes que remetem a uma condição de desigualdade entre negros e brancos, pois ao confrontar a característica, como por exemplo, esgoto ao céu aberto, a incidência de existência dessa condição é de 5% entre os brancos e de 11,50% entre os negros, assim como para a característica denominada lixo acumulado, cuja incidência é de 5,73% entre os brancos e de 12,53% entre os negros. Por si só, os resultados constantes na Tabela 1 revelam que mais negros moram em regiões com pouca infraestrutura urbanística.
Os resultados apontados sinalizam que essa diferença entre os locais em que os negros residem, propicia oportunidades desiguais para uma elevação social, acarretando perspectivas diferenciadas para acesso à infraestrutura urbana, na medida em que possuem menores condições e, consequentemente, menores oportunidades de mobilidade social, servindo de barreira para o acesso ao trabalho, ao serviço público, a escolas e a cultura, o que permite inferir que existe uma correlação muito forte entre cor e pobreza.
Por outro lado, na Tabela 2, são apresentados os dados referentes à renda per capita, pobreza e desigualdade no município de Porto Alegre do ano de 2010, com base em dados extraídos do Atlas Brasil de 2010.
Tabela 2 – Renda, Pobreza e Desigualdade – Município – Porto Alegre
Descrição | Negro | Branco | ||
Renda per capita | R$ | 760,54 | R$ | 2.000,45 |
Rendimento médio dos ocupados – 18 anos ou mais | R$ | 1.132,53 | R$ | 2.623,66 |
% de extremamente pobres | 2,01 | 0,63 | ||
% de pobres | 7,97 | 2,74 | ||
Índice de Gini | 0,52 | 0,59 |
Fonte: adaptado pelo autor segundo dados do Atlas Brasil, conforme dados do PNUD, Ipea e FJP
Observa-se, na Tabela 2, que a renda per capita dos brancos é 2,63 vezes superior à renda dos negros, assim como o rendimento médio dos ocupados com idade superior a 18 anos é 2,31 vezes maior que dos negros. No tocante ao percentual de extrema pobreza, os negros possuem uma representatividade de 3,19 vezes maior que os brancos, assim como o percentual de pobres entre os negros são 2,9 vezes maiores que o percentual encontrado entre os brancos.
No que diz respeito ao Coeficiente de Gini, que mede o grau de desigualdade e, segundo o IPEA, é um dado estatístico utilizado para avaliar a distribuição das riquezas de um determinado lugar, ambos se encontram em uma situação idêntica. Entretanto, apesar do Coeficiente de Gini dos brancos e negros apresentem sinais de igualdade, os demais resultados constantes na tabela apontam para uma desigualdade excessiva.
Por fim, é correto afirmar que a desigualdade racial e a segregação socioespacial estão presentes nosso território e são desfavoráveis aos negros nas dimensões analisadas, remetendo a uma necessidade de o Estado intervir nesse processo, como forma de minimizar essas diferenças. Entretanto, será que há interesse da elite dominante reduzir as desigualdades raciais? Existindo interesse, quais medidas estão sendo adotadas?
*Cláudio Soares dos Santos é Contador, Especialista em Gestão por Processos, Mestre em Administração pela UNISC com ênfase em Gestão Estratégica de Operações e Relações Interorganizacionais, Doutor em Desenvolvimento Regional com ênfase em Organizações, Mercado e Desenvolvimento. Socio-diretor da CL Contabilidade Ltda. Consultor de empresas. Membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN). Professor Universitário do Centro Universitário Fadergs da área de gestão & negócios. Membro do Ânima Plurais, grupo de professores com dedicação de tempo de trabalho às questões da diversidade e pluralidade nas escolas do Ecossistema Ânima.