Dia desses, pela manhã, enquanto caminhava em direção à parada de ônibus, fui surpreendido com um som do motor de uma motocicleta, ainda que estivesse com fones nos ouvidos. A minha maior surpresa foi, ao olhar para trás na direção do som, não enxergar nem de longe o veículo, que devia estar, no mínimo, a um quilômetro de distância. Passados alguns segundos, a motocicleta passou por mim, ostentando um som ensurdecedor produzido pelo seu escapamento aberto.
Durante aqueles breves segundos, um misto de sentimentos e lembranças inundou minha mente, começando por um princípio de indignação, quando pensei: “o que esses caras têm na cabeça pra andar com a moto desse jeito?!” Pensamento que logo deu lugar para um “quem sou eu pra julgar?”, acompanhado de um “já tive meus vinte e poucos anos…”. Foi quando uma curiosa história me voltou vívida à memória…
O ano era 2009. Estava em meio ao curso de formação para agentes de trânsito. Enquanto descia da minha moto (que de original devia ter apenas o chassi e o tanque), olhei para o lado e vi que um agente se aproximava.
Bom dia, magrão! (na época, eu ainda podia atender a esse apelido). Já te orientaram quanto às modificações dessa tua moto?
Enquanto tirava os materiais do curso do baú da moto e colocava sobre o banco, respondi que sim, porém não tinha tido tempo ainda de realizar as trocas. Com um ar de decepção, ele olha para a pasta translúcida com o logo da instituição e pergunta: Tu é colega?! Respondo novamente que sim, que havia ingressado na última turma. Olhando para os lados para se certificar de que ninguém havia presenciado a abordagem, ele sussurra:
Cara… não me aparece mais aqui na frente com essa moto desse jeito!
Me limitei a agradecer pela compreensão, pegar meu material e entrar antes que alguém mais chegasse e me flagrasse com a minha cara de criança que foi pro castigo. E nas próximas semanas que se seguiram do curso, nunca mais fui abordado por nenhum outro colega. Não porque realizei a troca pelas peças originais, mas porque passei a deixar a motocicleta no estacionamento de um mercado dois quilômetros antes e ir até o trabalho de ônibus.
É óbvio que entendo a sensação de ouvir o som do motor a “gritar” nos ouvidos de quem dirige ou pilota, assunto que já abordei em outro artigo, inclusive. Assim como entendo a sensação de acelerar, chegando aos limites da máquina. Mas entendo também que, para ambos, há locais apropriados. O que me leva ao assunto que vim tratar nesse texto: música.
Sou um eterno amante da música. Passo boa parte do meu dia ouvindo, desde quando saio de casa, no ônibus, no trabalho, no carro e na academia (quando apareço por lá…). Mas tenho consciência de que o meu gosto para música pode não ser o mais popular, embora eclético. Por esse motivo, não saio por aí submetendo os outros ao meu gosto, como muitas pessoas têm o costume de fazer.
Utilizando a mesma lógica, por que tantas pessoas acham que suas afeições por motores barulhentos devem ser apreciadas por todos? Por que pensam que todos devem tolerar o risco que elas estão dispostas a tolerar ao ultrapassarem os limites de velocidade das vias? Sejam motores, velocidade ou músicas, quando reproduzidos em via pública, devem comportar-se como em uma orquestra. Somente quando todos os elementos tocam em harmonia é que conseguimos uma viagem tranquila e sem imprevistos, em um verdadeiro espetáculo de colaboração e respeito mútuo.
Rodrigo Vargas é psicólogo, neurolinguista e palestrante sobre a relação do homem com a máquina e suas consequências para o trânsito. Atualmente, é colunista de diversos blogs, sites e portais na área do trânsito e canais de notícias focados em prevenção e educação no trânsito. Membro do spin Nova Mobilidade do POA Inquieta.
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Foto da Capa: Gerada por IA