Sete horas, começa o dia. Não se vê o sol, mas a tela brilha. É preciso dar uns quinze bons dias, um terço pelo Messenger, um terço pelo WhatsApp, um terço inbox, no Instagram. Todos parecem indispensáveis. E como recusar um bom dia? Seria o fim, não do dia – um dia sem bom dia já é noite -, mas do mundo.
E os vídeos que chegaram aos montes, todos com conteúdo relacionados com aquele vínculo tão pouco frequentado, fora dali… Como não olhá-los? Não comentá-los. Não responder com palavras ou memes e até mesmo com outros conteúdos, incluindo a réplica de vídeos. Seria indiferença; pior, ingratidão.
E os convites, de amigos, conhecidos, amigos de conhecidos, conhecidos de amigos. Humanamente impossível aceitá-los, mas não agradecer a todos seria o máximo de uma desconsideração. É preciso consideração, nem que virtual.
E como não avaliar as viagens de Uber? Motoristas estão trabalhando, fizeram o melhor para nos transportar de um lugar a outro. E os sites de compras, incluindo a farmácia que mandou, na hora certa, a medicação que trouxe o alívio… E a avaliação da gerente do banco? E as propostas de trabalho?
E a livraria? O livro, houvesse tempo de ler, seria mais eficiente do que o remédio, tirando um pouco da dor da alma, lá onde medicação nenhuma é capaz de chegar. E dos 37 grupos de que fazes parte, há uma penca de mensagens, pelo menos dez precisam ser comentadas, cinco porque absurdas, quatro porque bonitas, uma não se sabe por quê.
E os eventos de final de ano? Aqui confirma, aqui cancela, aqui cancela, aqui confirma. Sobrará, entre todos, um? Nenhum? Com um clique, resolve-se a agenda. Com outro a carência alheia e carência é o que não falta em cada súplica da tela. Como não preenchê-la, na parte que nos cabe?
Um clique não custa, outro e mais outro, não custa. Todos aniversariam sempre – para que tanto aniversário, meu Deus? -, mas custa dar um parabéns? Como não confirmar ou não confirmar ou cobrar ou pagar? Como não curtir o que andam fazendo? Um post. Um clique. Dois, três posts, cliques, quantos forem precisos para essa conexão. É preciso consultar a temperatura para não passar calor – clique -, é preciso consultar a oferta para não pagar a mais – clique, é preciso mudar a música do Spotify para não se entediar.
Será preciso acordar uma hora mais cedo para dar conta. Ou impedir que isso continue invadindo o dia, acompanhando o trabalho que, em boa parte, desde a Pandemia, já é virtual. Somos acháveis aqui, somos interrompíveis agora, a demanda é enorme e há possibilidade de atendê-la. Atendemos, damos conta, somos úteis no meio de tanta inutilidade.
Dia desses, sobrou um fiapo de tempo e nos encontramos pessoalmente, em algum lugar. Era o pedinte do bom dia ou o autor do vídeo. Nada em seu olhar atestava que estivesse melhor ou preenchido, depois de tantos cliques. O meu olhar, espelhado no dele, não parecia diferente. Ali faltou palavra, faltou abraço, faltou não sei o que, mas o próximo clique saberia.
E, pouco depois, as telas estampavam um boa noite. Com coraçõezinhos. Como não responder, mas só depois de teclar a avaliação do Uber que proporcionou atenciosamente aquele breve encontro, e do que nos devolveu à solidão das respectivas telas.
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Foto da Capa: Gerado por IA / Freepik