Uma vez estava assistindo a um show do Caetano Veloso em São Paulo e meio veio à cabeça uma frase/verso: todo mundo veio para não entender a solidão do artista. Tive uma sensação clara daquele ritual que é o culto ao mito que se cria em nós com todas as camadas de exposição, de história, de discursos visuais e sonoros que aquela figura desperta.
No entanto, por baixo de todas essas camadas, estava ali a nossa frente uma pessoa que não nos conhecia e que nos era de alguma maneira tão íntima. Pensando dessa maneira, ele, o artista, é naquele momento muito mais solitário do que nós. Sozinho com seu violão, acolhido por todos, mas separado por um fosso que o protege de tudo que possa desfazer a magia de mito. O mito que sobrevive alimentado pela distância.
O verso que criei naquele dia depois veio a fazer parte de uma canção que compus em parceria com o Ricardo Portugal e integrou o repertório da nossa banda Os 3 Poetas, que se completava com o Alexandre Brito, nos anos noventa.
Uma das mudanças na relação com os astros da música e de outras artes, ou mesmo do esporte, se deu com as redes sociais. Na pandemia, por exemplo, pudemos ver Caetano de pijama em casa, em videos captados com o celular pela sua esposa Paula Lavigne.
A proximidade humaniza o mito, desfaz a pompa, a infalibilidade. Caetano gagueja, tem a barba por fazer, come paçoca. Tudo isso o traz para perto de nós e, mesmo que ele não perceba, contribui para diminuir a sua solidão.
Vemos que a beleza do seu canto, das suas melodias, das suas letras é produto de uma pessoa que usa um pijama azul, listrado. Meu pai tinha um pijama assim. Era vendedor, mas cantarola “Peguei um Ita no norte…”, música do Caymmi. Caetano também ama Caymmi.
Meu pai, o seu Alcides, quando escreveu alguns poemas, já depois dos sessenta anos, disse que gostaria que fossem letras de samba. De sambas bonitos com os de Dorival Caymmi.
A imagem de Rita Lee já debilitada pelo câncer em casa, ao lado do querido Roberto de Carvalho em foto no Instagram. Podemos ficar solidário com ela, com seu marido. Ali temos um casal, companheiros, levando a vida até o fim. Aquele guitarrista, aquela genial cantora e compositora que nos alegraram podem contar pelo menos com um coraçãozinho do nosso clique ou um comentário que, se dermos sorte, pode ser lido, se não esbarrar numa equipe de comunicação que administra as suas redes.
Gilberto Gil, também de pijama, deitado na cama vendo o Fla-Flu pela tv, captado pela Flora, sua esposa. Em pé, ao lado, seu filho Bem Gil. Tudo certamente contribui para formar uma nova mitologia contemporânea, mas, ao que parece, muito mais humana.
Foto da Capa: Reprodução do Instagram