Desde criança, lá pelos três, quatro anos, eu e Marlene, minha irmã, que também tinha nanismo, ouvíamos comentários e perguntas sobre nanismo. Na infância, nossos pais, avós, tias e tios tratavam de responder à curiosidade das pessoas – muitas vezes exacerbada, invasiva e sem sentido – sobre nossos corpos tão pequenos. Na adolescência, as perguntas nos incomodavam muito. E por conta de uma grande timidez, acompanhada de vergonha, nos recolhemos mais do que devíamos. Na juventude, não falávamos sobre o assunto e nos negávamos a responder qualquer interrogatório. Vivemos um silêncio quase absurdo sobre a nossa condição até fazer a travessia do fantasma, amparadas pela psicanálise, nossa libertação.
“O sentimento de inadequação temperado com o desejo de transcendê-la tem sido uma narrativa comum entre os anões”, escreve Andrew Solomon no livro “Longe da Árvore – Pais, filhos e a busca da identidade” (Cia das Letras, 2012)
A maturidade apontou para a importância das manifestações de pessoas que têm alguma deficiência e para a necessidade da fala, no sentido de organizar nossos sentimentos para não enlouquecer. Hoje tenho convicção de que é nocivo negar ou fazer de conta que a diferença, seja ela qual for, não interfere no nosso estar no mundo e nas nossas emoções. O silêncio faz mal e pode levar a uma solidão perigosa. A fala organiza, dá coragem e alivia as dores provocadas pelo preconceito. Não quero dizer com isso que as perguntas não sejam, na maioria das vezes, abusivas, inconvenientes e carregadas de falta de sensibilidade e informação. Em relação ao nanismo, então, revelam desconhecimento, discriminação disfarçada e um humor grotesco. Mesmo assim, melhor atitude é encarar e responder.
“Ser percebido em sua própria essência como cômico é um fardo significativo” Andrew Solomon
A pessoa com nanismo, adulta, na companhia de alguém que não tem nanismo, ouve perguntas e comentários sobre a sua condição, que não são dirigidos a ela, quase sempre carregados de ignorância e de uma morbidez doentia. Talvez até tenham alguma ingenuidade, mas é difícil acreditar que assim seja pelos estereótipos tão persistentes que envolvem este universo.
“Anões aparecem em show de aberrações, em competições de arremesso de anão e na pornografia”. “Há um voyeurismo coisificador. Prova de uma insensibilidade que vai além da exibida em relação a quase qualquer outro grupo deficiente”. Andrew Solomon
Perguntas inconvenientes
A seguir algumas perguntas e observações que já ouvi e ainda ouço, feitas não diretamente, é claro, porque nessas situações, quase sempre, pareço invisível.
– Ela trabalha?
– Ela menstrua?
– Como ela nasceu assim? Tem mais anões na família?
– Ai que fofinha! Vontade de pegar no colo.
– Ela pinta as unhas, olha!
– Parece uma boneca, vontade de levar para casa. Posso?
– Deve ser bom ter um anão, pode pegar sempre no colo.
– Olha lá um anãozinho!
– Por que tu és tão pequena?
– Eu não sabia que alguém como você se divertia.
– Isso é tamanho de gente!
– Anão não morre.
– Levanta do chão!
– Como está a temperatura aí embaixo?
“Tratam os anões como se fossem propriedade pública e exigem que os pais os expliquem para o mundo”.
Andrew Solomon
É por essas e outras tantas observações e perguntas que Solomon define com muita sensibilidade, que as pessoas com nanismo precisam de uma dose diária de paciência, discernimento, compreensão e humanidade. Por isso, a fala, a informação, o debate sobre preconceito e rejeição são tão necessários. Mostrar que existimos, sim! Damos conta da vida, sim! Mas precisamos de respeito, acessibilidade e inclusão, como qualquer outra pessoa. Ignorar nossa condição jamais vai nos proteger. Devolver as perguntas que nos fazem, jogando a curiosidade para quem pergunta, é uma boa estratégia para amenizar a travessia.