Quem mora em casa ou apartamento alugado tem com frequência o receio de que o proprietário do bem, ou seja, o locador, resolva vender o imóvel que, com o jeitinho do locatário, ficou tão charmoso e acolhedor. Se a decisão do locador for rescindir o contrato antecipadamente ao prazo ajustado, obviamente ele estará sujeito ao pagamento de multa rescisória e eventuais indenizações, como despesas de mudança, por algumas benfeitorias realizadas, ou até o aluguel de outro imóvel, dependendo da situação.
Antes de abordar o assunto principal, é importante que o locatário saiba que, como regra geral, a Lei das Locações (Lei nº 8245/91) determina que, durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado.
Mas e se o locador resolver vender o imóvel durante o prazo do contrato de locação?
Nessa circunstância, infelizmente para o locatário (inquilino), o locador poderá vender o imóvel e o adquirente (novo proprietário do imóvel) poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação. Todavia, se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel, o locador não poderá vender o imóvel.
Essa denúncia (notificação da rescisão ou término do contrato) deverá ser exercitada pelo novo proprietário, no prazo de noventa dias, contados do registro da venda ou do compromisso, presumindo-se, após esse prazo, a concordância na manutenção da locação. Vale dizer, se não houver essa notificação no prazo acima, segue normalmente a locação.
Muito importante deixar claro que a lei das locações estabelece que, no caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar–lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.
Essa comunicação deverá conter todas as condições do negócio e, em especial, o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente.
Entretanto, o direito de preferência do locatário caducará se não for manifestada, de maneira inequívoca, sua aceitação integral à proposta, no prazo de trinta dias.
Ocorrendo aceitação da proposta pelo locatário, a posterior desistência do negócio pelo locador acarreta, a este, responsabilidade pelos prejuízos ocasionados, inclusive lucros cessantes.
Se o imóvel estiver sublocado em sua totalidade, caberá a preferência ao sublocatário e, em seguida, ao locatário. Se forem vários os sublocatários, a preferência caberá a todos, em comum, ou a qualquer deles, se um só for o interessado. Na hipótese de pluralidade de pretendentes, caberá a preferência ao locatário mais antigo e, se da mesma data, ao mais idoso.
Ressalte-se que o direito de preferência não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação.
O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel. Como se vê, a averbação do respectivo contrato de locação na matrícula do imóvel é fundamental para que o direito de preferência possa ser exercido.
Em se tratando de condomínio no imóvel, a preferência do condômino terá prioridade sobre a do locatário.
Se no seu contrato houver cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada, esse contrato deverá ser registrado no Registro de Imóveis para que ela possa surtir seus efeitos legais.
Vale ressaltar que, se o locador não conseguir vender o imóvel pelo preço que ele lhe ofertou, ele terá de novamente lhe oferecer o imóvel para que você possa exercer o seu direito de preferência. Se ele não oferecer o imóvel ao locatário para que ele exerça o direito de preferência, o locatário poderá inclusive pleitear na justiça a anulação da respectiva compra e venda.
Todavia, saliente-se que há entendimento jurisprudencial de que, se o adquirente tiver ciência de que o imóvel estava locado, há de ser respeitado o direito de preferência do locatário.
Veja-se a ementa de recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
“RECURSO ESPECIAL Nº 2166931 – SP (2024/0324282-8) RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE.
… PREFERÊNCIA DO LOCATÁRIO VIOLADO. AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO. IRRELEVÂNCIA DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO ADQUIRENTE. LOCATÁRIA QUE ESTÁ NA POSSE DO IMÓVEL HÁ MAIS DE 40 ANOS E PRESTA SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL AO MUNICÍPIO. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. 3. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO EM RELAÇÃO AO ART. 422 DO CÓDIGO CIVIL. SÚMULA 211/STJ. 4. RECURSOS CONHECIDOS PARCIALMENTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDOS. DECISÃO”
Leia-se o seguinte trecho do voto do Relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, nesse Recurso Especial:
“O Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao enfrentar caso semelhante em que havia conhecimento inequívoco do comprador quanto à locação, e para fins de garantir o exercício do direito de preferência ao locatário, definiu: “a averbação do contrato de locação é irrelevante se os compradores do imóvel tiveram conhecimento da locação por outros meios” (AgInt no REsp n. 1.780.197/CE, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 21/08/2019).”
Meu conselho, como amigo, é: se o imóvel estiver sendo vendido e você não tiver interesse em comprar, não demore muito para procurar um outro imóvel, pois o novo comprador, decorrido o prazo legal de noventa dias, poderá entrar com uma ação de despejo e isso ainda vai acarretar mais despesas com advogados e custas judiciais. Em alguns casos, de idosos, por exemplo, os juízes podem até fixar um prazo maior para que os locatários desocupem o imóvel, mas frequentemente o limite desse novo prazo não passa de 60 (sessenta) dias.
Observe-se, por exemplo, a seguinte decisão judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DESPEJO – COBRANÇA – Decisão que indeferiu pedido de suspensão de ordem de despejo pelo prazo de seis meses – Alegação do locatário de que o imóvel é ocupado por seus pais idosos, sendo grave o estado de saúde de sua mãe, o que impossibilita a sua remoção. – Determinação de suspensão do prazo para o despejo, em observância aos princípios humanitários que podem ser adotados em ações de despejo – Suspensão por 60 dias – Recurso provido para essa finalidade.
Espero que esse artigo lhe possa ter sido útil. Uma boa semana a todos.
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