Como historiador, eu me acostumei com a divisão da história ocidental em “Idade Antiga, Média, Moderna, Contemporânea”, cada uma seccionada por um evento: invasão de Roma pelos Ostrogodos, tomada de Constantinopla, Revolução Francesa. Mas, depois da “Microhistória”, da História Cultural ou das Mentalidades preocupadas com eventos cotidianos, subjetivos, afetivos, singulares, eu fiquei me perguntando em quantas “idades” minha vida pessoal é dividida e com que critérios eu o faço. Não estou falando das etapas do amadurecimento (infância, adolescência, maturidade, velhice), falo de outra coisa!
Ouço música com frequência, deitado na minha rede macunaímica, e num desses “zapping’s” esbarrei com John Barry tocando Midnight Cowboy na sua harmônica, que ouvi pela primeira vez ao ver o filme Perdidos na Noite (foto da capa) numa longínqua cidade do interior da Paraíba, em 1974, e, ali, eu conheci minha primeira namorada. Fiquei pensando se poderia “dividir” minha vida segundo um duplo critério, do AMOR e da MÚSICA a que ela corresponde! O leitor certamente concordará que há sempre um “fundo musical” para cada amor de nossas vidas: Fulaninha(o) tal música; Cicraninha(o) tal outra… A playlist pode ser longa, claro, em função do, digamos, ativismo ou pluralismo amoroso do(a) leitor(a)! Parece que temos necessidade de dividir o tempo, seja ele coletivo-histórico, seja individual-subjetivo, sem o quê perdemos a sensação de estarmos “progredindo” (da barbárie para a civilização, da criancice para a experiência adulta, ou como se meus amores primeiros fossem mais imaturos que os últimos), produzindo a ilusão de que no “final” há algo que nos recompensará, como se fôssemos todos vítimas e cúmplices de uma teleologia existencial. Por exemplo: a música que marca minha relação com Gil, minha esposa, é “Pela luz dos olhos teus” (de Tom e Vinicius)!
É possível que eu esteja errado, que a humanidade seja marcada por continuidades e não por rupturas, que os amores de nossas vidas não tenham “trilha sonora”, que tudo não passe de uma fantasia projetada sobre o passado (para romantizá-lo!) e para justificar o presente, e que, talvez, os Bárbaros, que findaram o Mundo Antigo, não tinham trilha sonora e sempre estiveram entre nós; que John Barry nunca deixará de tocar Midnight Cowboy e que a “luz dos olhos teus” durará na lembrança, mais do que no teu rosto. Vai ver que “O passado nunca está morto. Nem sequer é passado!” (W. Faulkner).
Todos os textos de Flávio Brayner estão AQUI.
Foto da Capa: Filme Perdidos na Noite / Divulgação