O envelhecimento é uma tendência global que define o tempo atual. Estudos divulgados pelas Organização das Nações Unidas – ONU, informam que, globalmente, um bebê nascido em 2021 pode esperar viver, em média, quase 25 anos a mais que um recém-nascido de 1950, com mulheres vivendo cerca de cinco anos a mais que os homens.
Longevidade é o bastante?
Adquirir o direito a longevidade é, automaticamente, conquistar o direito a viver dignamente a velhice? Sabemos que não. Estudo da ONU aponta que a expectativa de vida é fortemente influenciada por renda, educação, gênero, etnia e local de residência, entre muitos outros fatores. Algumas combinações destes fatores muitas vezes levam a uma desvantagem desde o começo da vida. É a tal loteria genética do nascimento.
Por conta disso, sabemos que pessoas brancas possuem uma expectativa de vida maior do que as negras, indígenas e lgbtquiap+, por exemplo. Mesmo entre grupos de pessoas brancas, havendo diferenças de gênero, educação e renda, provavelmente encontraremos discrepância na expectativa de vida.
Um exemplo de um fator que influenciou o mundo quanto à expectativa de vida ao nascer foi a pandemia. A expectativa de vida média ao nascer no Brasil, em 2022, ficou em 75,5 anos. Esse dado teve uma recuperação parcial no ano passado, após 2021 e 2020, quando a pandemia de covid-19 fez mais vítimas. No entanto, a nossa expectativa de vida média já chegou a ser de 76,8 anos.
Dinheiro traz conforto, mas e o mais importante?
Também sabemos que mesmo para quem nasce em meio a privilégios, a velhice pode ser uma fase da vida com diversos desafios para o adulto mais velho e para toda a família que convive com os cuidados daquela pessoa. Afinal, dinheiro nenhum irá comprar saúde física, saúde mental, amigos e vínculos afetivos verdadeiros.
A gente não quer só comida. A gente quer a vida. A gente quer dinheiro. A gente quer prazer.
Então, sim, a longevidade é uma conquista da sociedade. Vamos celebrá-la! Ganhamos uma vida mais longa, mais tempo para realizar sonhos e para contribuir com a sociedade! Mas precisamos refletir sobre como estamos exercitando essa conquista e como estamos preparando a sociedade para viver seu processo de envelhecimento e sua longevidade com dignidade, ao menos. Afinal, é necessário lembrar que pensar em sociedade é pensar solidariamente.
Os Nem Nem Idosos
Normalmente escutamos esse termo com relação aos jovens, aqueles que nem trabalham, nem estudam, nem procuram emprego. Não é minha intenção me aprofundar a esse respeito. Mas trazer aqui uma reflexão que li sobre os “Nem Nem Idosos”, aquele grupo de pessoas que ainda não adquiriu o direito à aposentadoria, porém está sem trabalho por conta do preconceito e, cansado de receber um não, nem procura mais emprego. Nem trabalha, nem estuda, nem procura emprego, e ainda não tem aposentadoria. Uma população economicamente ativa que o Brasil não reconhece e absorve.
O idadismo
Esse é o grande desafio que precisamos lidar com relação à questão da longevidade e do envelhecimento no país. Os nossos estereótipos, preconceitos e a discriminação com relação a idade, e em especial a sofrida pelas pessoas mais velhas, dificultam com que a própria pessoa aceite seu envelhecimento, entravam os processos de acolhimento das pessoas mais velhas (especialmente as economicamente ativas) no mercado de trabalho e tem emperrado o Estado a desenvolver e executar programas efetivos para atendimento dos desafios que hoje enfrentamos com relação ao envelhecimento demográfico brasileiro.
O Idadismo com relação aos mais velhos (etarismo e ageísmo são a mesma coisa) é tão grande que a OMS aponta que no mundo de cada duas pessoas uma delas é idadista com relação as pessoas idosas. Imagina no Brasil com nossa cultura jovencêntrica!
A nossa vontade de ser jovem está nos impedindo de enfrentar a realidade. Sim, no futuro seremos velhos, enrugados, estaremos lutando para aceitar nossos declínios físico e mental. Mas o que vem à sua mente quando pensa nisso? Será que vem a imagem do Chico Buarque, Arlete Salles, Arnold Schwarzenegger, Elisa Lucinda, Paul MacCartney, Conceição Tavares, pessoas idosas plenas de capacidade e energia criativa, ou a imagem de pessoas doentes, dependentes, sem autonomia, feias, … pensar assim dói, pois é dar-se conta de como podemos estar pensando a respeito de nós mesmos no futuro.
A outra ponta do envelhecimento
O envelhecimento populacional ocorre em função do aumento da longevidade e da queda da taxa de natalidade.
Assim, de acordo com o último Censo já contamos com mais de 32 milhões de pessoas acima de 60 anos no Brasil (15,6% da população), e tivemos um aumento de 56% desse segmento da população sobre o Censo de 2010. No mundo, em 2022, o Brasil figurava em 2022 como o sexto país com pessoas 60+ no mundo.
Na outra ponta, frente ao aumento da população mais velha, percebe-se a diminuição da parcela da população de até 14 anos no mesmo período, que passou de 24,1% para 19,8%, evidenciando também a nossa baixa taxa de natalidade.
A taxa de fecundidade corresponde ao número de filhos vivos nascidos por mulher na idade reprodutiva. Desde a década de 70 vem diminuindo a taxa de fecundidade no país. Na década de 60 essa taxa estava em torno de seis filhos por mulher; na década de 80, eram quatro filhos por mulher; no ano de 2000, essa taxa de fecundidade era de 2,2 e, em 2020, uma média de 1,65 filhos. O Brasil tem um comportamento demográfico parecido com os países ricos, mas num ritmo mais rápido.
Especialistas apontam fatores como maior nível de educação, acesso a saúde e a ida para o mercado de trabalho como fatores preponderantes para o declínio dessa taxa.
Fatores que eu conheço e testemunho
Considerando que nós, mulheres, somos os seres responsáveis pelo cuidado da casa, dos filhos, da família como um todo, porque não temos acesso a creches e escolas que nos apoiam para o cuidado dos filhos, porque não temos ambientes corporativos acolhedores para mulheres mães, se torna muito difícil não considerar a possibilidade de diminuir o número de filhos ou até não ter, dadas todas as dificuldades pelas quais passamos. Sou testemunha de amigas e conhecidas que gostariam de ter mais filhos e desistiram frente a essas e outras tantas dificuldades enfrentadas, pela falta de suporte no cuidado.
Além disso, numa sociedade de consumo capitalista, a pessoa vale pelo tanto que “produz” de dinheiro. Não é o caso das mães. Ainda mais aquelas que se “ausentam” por seis meses do trabalho, ou que precisam sair para buscar os filhos na escola, levar em consultas… Essas são uma despesa e um incômodo para muitas empresas e gestores.
Ainda podemos criar algo nesse sentido
Sem olhar para as mulheres e políticas de cuidado, nossa pirâmide ficará cada vez mais desigual. Precisamos dar chance para as mulheres que quiserem ser mãe de o serem. Estaremos investindo, literalmente, no futuro do país.
Nossa pirâmide etária hoje estaria menos desigual se tivéssemos mantido nossas taxas de natalidade de 2000, por exemplo, quando nasceram 2,2 crianças para cada mulher em idade reprodutiva no país daquela época. Continuaríamos tendo uma população longeva, com os mesmos 32mi de pessoas 60+, ainda com os 75,5 anos de expectativa médio de vida, mas com uma base etária mais robusta dos zero aos 14 anos, diminuindo o envelhecimento geral da população.
Só aumenta, e vai aumentar mais, se a gente não fizer nada.
Pega o caso da idade mediana brasileira, um indicador que divide uma população entre os 50% mais jovens e os 50% mais velhos. De acordo com o Censo, no Brasil, de 2010 para 2022, a idade mediana subiu de 29 anos para 35 anos, evidenciando o envelhecimento da população. No mesmo período, esse indicador aumentou nas cinco grandes regiões: Norte, de 24 para 29 anos; Nordeste, de 27 para 33 anos; Sudeste, de 31 para 37 anos; Sul, de 31 para 36 anos e Centro-Oeste, de 28 para 33 anos.
Em termos estruturais, gostaria de ser mais otimista, mas acredito que hoje não temos elementos para afirmar categoricamente que “a vida melhora com o tempo’ para todas as pessoas, especialmente para quem não tiver nascido na tal “loteria genética”. Temos muito o que construir como sociedade.
Porém, há tempo, e quanto mais cedo melhor, para encarar de frente a realidade e enfrentar os desafios com relação à longevidade e ao envelhecimento brasileiro para, nos próximos anos, transformar este “tsunami grisalho” em um envelhecimento saudável e ativo, de maneira a deixar as futuras gerações prosperarem e terem uma vida melhor e com maior bem-estar humano e ambiental.