Nas últimas semanas, tenho sido visitado por um casal de bem-te-vis. Reza a lenda que a aparição deles é sinal de sorte. Oxalá. De manhã cedo, a dupla aparece. Fico ali, bebendo café e observando pela porta de vidro. Às vezes, eles cavam a terra dos vasos, fazem uma baita lambança. Varro a sujeira espalhada pelo chão com prazer. Mais recentemente, porém, descobri que havia uma segunda intenção na presença do casal ali.
“Que a vida física e espiritual do ser humano está associada à natureza não tem outro sentido do que afirmar que a natureza está associada a si mesma, pois o ser humano é parte da natureza”. A frase é do ambientalista… Karl Marx, em Manuscritos Econômico-Financeiros, de 1844. Boa, Karl, a gente sabe disso.
Sem pensar muito, acho que foi intuitivamente que, no meu apartamento, a pequena sacada, de não mais do que 8m2, tenha virado uma microfloresta (contém exagero). Independente disso, se sentar ali, rodeado de verde e vida, e ficar com um livro na mão, com o chimarrão ou apenas batendo asas com pensamentos aleatórios, é reconfortante.
Num canto da sacada, está um exemplar de uma figueira-lira, uma espécie africana que vai bem nesses espaços. Gosta de luz, mas não de sol ou chuva diretos. E é lá que o casal de bem-te-vis escolheu para iniciar a nova família em segurança. Todas as manhãs, cedo, lá estão os dois pequeninos carregando galhos e qualquer coisa que sirva de base para montar o seu ninho. Vão e voltam. Saltam de uma planta para outra. Colocam galhinhos. Depois deixam cair alguns no chão, talvez para usar depois, numa outra fase da construção. E a casinha vai se criando, afinal, as crianças estão chegando.
Outro dia, um deles tentava tirar um barbante que usei para amarrar alguns galhos rebeldes de um podocarpo anexo. Mas não conseguiu, estava amarrado. Cortei pequenos pedaços do rolo de barbante e espalhei por cima das plantas e deixei alguns pelo chão. Pronto, lá estavam eles animados, subindo as cordas como se as tivessem achado na natureza selvagem.
A vida é um pouco isso. Basta a gente não ameaçar colocar o outro numa gaiola, oferecer ajuda sem querer sufocar, deixar cada um no seu tempo, permitir que as coisas corram sem se sentir ameaçado pelo outro, ou dar abrigo quando surgem as trovoadas, que a vida flui, e segue curso. É complexo, mas é simples também. Quem sabe apenas deixar um barbante pelo chão permita já que alguém se agarre. E não se afogue sozinho.
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Foto da Capa: Freepik