No século XIX, as pessoas ficaram perplexas ao verem demonstrações de que os músculos de animais mortos reagiam (“voltavam à vida”) quando submetidos a uma corrente elétrica. Esse fenômeno inspirou um dos melhores livros de todos os tempos: Frankenstein, de Mary Shelley, em que um médico com o mesmo nome criava uma criatura monstruosa utilizando eletricidade.
Ao contrário do que muitos pensam, o monstro do Dr. Frankenstein não era mau. Era um ser sensível que foi destruído pela ignorância humana. Uma fábula que ainda serve – talvez mais do que nunca – ao mundo atual. Mas isso fica para as colunas literárias.
Ainda que não consiga (por enquanto) trazer seres mortos de volta à vida, a eletricidade hoje ocupa um lugar essencial na sociedade contemporânea. Basta faltar energia que nos sentimos perdidos, com nossas vidas e negócios paralisados. E isso só vai aumentar.
Um mundo cada vez mais eletrificado está por vir. Veículos elétricos substituirão os convencionais. O aumento das temperaturas exigirá muito mais refrigeração dos prédios e casas. A grande rede mundial de computadores, que em breve controlará a tudo e a todos, precisa de muita energia e refrigeração à base de eletricidade, é claro.
Ainda assim, 746 milhões de pessoas no mundo não tem acesso à energia elétrica. Ou seja, não apenas pela ampliação de seus usos, mas também para atender a essa imensa população até aqui alijada do mundo moderno, precisaremos de muito mais eletricidade.
É aí que estão nossos problemas. Você sabe como a eletricidade é gerada? Sabe quanto gases de efeito estufa (GEEs) são emitidos em sua geração? Sabe mesmo? Assim como no conjunto dos processos que emitem CO2, sobre os quais comecei a falar na coluna da semana passada, os números aqui me surpreenderam: a geração de energia elétrica produz 28% dos GEEs do planeta, acima do setor de transportes (18%).
No Brasil costumamos vincular a geração de eletricidade às hidrelétricas. E sustentar que nossa fonte de geração de eletricidade é limpa. Na verdade, não é bem assim. Além de seus por vezes dramáticos prejuízos ao meio-ambiente e às populações afetadas por sua instalação, os lagos das represas submergem uma enorme quantidade de material vegetal que, ao se decompor, gera metano, um gás de efeito estufa 28 vezes mais poderoso que o CO2.
Ainda assim, a energia hidrelétrica é melhor que as principais fontes atuais. Pois a maior parte da eletricidade do mundo é gerada com carvão! Isso mesmo. O combustível fóssil responsável pela revolução industrial que começou há 250 anos continua sendo nossa maior fonte de eletricidade, sendo responsável por cerca 36% de toda eletricidade gerada no mundo. A seguir vem o gás natural (22%), a energia hidrelétrica (16%) e a energia nuclear (10%). Solar mais eólica: 12%. (veja o quadro aqui)
O gás natural tem sido utilizado para substituir o carvão – os Estados Unidos, passaram de cerca de 60% de carvão e 20 de gás natural em 2000 para 20 e 40%, respectivamente, em 2022. No Reino Unido a queima de carvão está em quase zero. Substituído em parte por energia eólica, mas também pelo gás natural. (veja aqui)
Muitos têm apontado o gás natural como “o combustível da transição”. De fato, é menos poluidor do que o carvão. Mas não esqueçamos de um fato: sua queima gera, de qualquer forma, CO2! Atualmente no mundo há um verdadeiro boom de construção de terminais portuários e usinas de geração de eletricidade à base de gás natural. E os investidores esperam que operem por pelo menos 50 anos! Essa não me parece uma boa transição.
Por outro lado, a energia nuclear, tão amaldiçoada por tantos anos, da qual alguns países, como a França, obtém a maior parte de sua eletricidade, é uma alternativa para se obter geração elétrica sem emitir GEEs. Traz riscos, obviamente. Mas os franceses diriam que a utilizam há décadas sem nenhum acidente. E ressaltariam que é apenas necessária uma operação responsável e cuidadosa. Talvez não tenhamos alternativa senão voltar a considerá-la como uma opção.
Bom mesmo seria obter toda eletricidade usando painéis solares e turbinas eólicas. Elas representam a forma mais limpa e sustentável para obtermos energia. No entanto, a geração eólica e a solar, como vimos acima, representam apenas 12% da matriz de energia elétrica mundial. Ainda que progressos importantes tenham sido alcançados (no Brasil passamos de menos de 5% em 2000 para 25% atualmente – uma evolução fabulosa) teríamos que acelerar de forma exponencial sua implantação em todo o mundo para que pudéssemos substituir as fontes fósseis até 2050.
Agora você tem os números. Ficarei tranquilo se você me disser como vamos resolver o problema de fornecermos eletricidade de forma sustentável às 10 bilhões de pessoas que viverão no planeta em 2050, numa situação de demanda crescente de eletricidade.
Embora seja um grande desafio econômico e logístico, uma enorme expansão no uso de energia solar e eólica é tecnicamente viável. E precisamos fazer isso. Se o planeta chegar a um aquecimento de 2oC, e tudo indica que estamos caminhando disso, as consequências serão desastrosas.
Ainda que a substituição dos processos que geram os GEEs seja complicada, isso não é desculpa para não agirmos. Cada um pode encontrar seu modo de contribuir. Talvez você possa começar repensando a maneira como se alimenta. Semana que vem veremos como seu bifinho de todo o dia e sua picanha do domingo estão contribuindo para o aquecimento global. Até lá!
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