A vida perfeita, cheia de filtros, poses e boomerangs parece que está saturando as pessoas e os especialistas em tendências identificaram uma necessidade de reconexão com a nossa humanidade e com a vida real.
Mas quando paramos para pensar nisto eu me pergunto: O que é real neste nosso mundo pós apocalítico e mediado pelas nossas percepções da vida, do cotidiano, do mundo de consumo e das relações humanas?
Quanto mais a tecnologia avança mais a nossa noção de confronto sobre a realidade e o ser real se amplia, se entremeia e nos dá nós na cabeça.
A realidade é uma percepção mediada e culturalmente codificado no cérebro humano. Essa tendência está vindo como um contrapondo aos termos artificial, virtual, modificado, modelado, decodificado; as pessoas estão de certa forma impactadas em verem e sentirem as inúmeras novas aplicações da tecnologia e toda discussão conceitual por trás, eu acho que vale refletir sobre o assunto.
Os perfis e posts dos seus amigos no Instagram, são reais? E as selfies que você vê nas redes sociais, elas são reais? Seu amigo todo pimpão ali no Central Park e aquele monte de curtidas e comentários do tipo: NYC, tá podendo, hein? Existe um app chamado Selfie Anywhere. Um banco de dados de fotos de fundo 360o para você tirar selfies extremamente realistas em qualquer lugar, escolhendo seu ângulo preferido. Não foi pra NYC, mas semana que vem vai para Paris.
E o filme Her? Todos aqueles diálogos podem acontecer de verdade diante da tecnologia que existe hoje? Adam Cheyer, VP de engenharia e cofundador da Siri e da Viv Lab, disse ter ficado boa parte do filme validando a programação até uma cena específica em que a Samantha recebe boa noite do Theodore e pergunta: boa noite, eu posso ficar aqui te olhando? Aí ele entendeu que o filme era ficção. Hoje em dia, só sendo programador pra ter essa clareza.
Indo mais a fundo, um bebê com gene editado para ser um bebê absolutamente perfeito, rechonchudo, loiro e de olhos azuis é um bebê real? Jennifer Doudna, Ph.D e professora de biologia celular e molecular da Universidade da Califórnia, alertou que embora seu processo de edição de gene CRISPR-Cas9 tenha sido desenvolvido para livrar as células de algumas doenças, ela teme outros usos da inovação.
E um cérebro com neurônios editados, modificados, ou com a prótese neural que o Bryan Johnson da Kernel ambiciona desenvolver? A capacidade melhorada desse humano, que não é um robô, vai ser real ou artificial?
O fato é que já está muito difícil entender o limite entre o que é real e o que é artificial, o que é verdade e o que é ficção, o que é talento e o que é tecnologia implantada. E quanto mais a tecnologia avançar pra ser cognitiva e simular o padrão humano, mais isso vai acontecer.
Talvez a resposta não exista ainda e a tendência da dita “realidade” em 2023 seja um novo padrão estético com menos edição de corpos, formatos e texturas, ou seja, a realidade precária das vidas sem tecnologia, sem condições de boa existência glamourizada em uma estética da periferia.
Esta semana eu vi em um site uma influencer falar que as mulheres negras estavam novamente aderindo a alisamentos e relaxamentos, pois o cabelo natural desestruturado não é a realidade que desejam.
As pessoas estão desejando ser reais. A pergunta que fica é qual a realidade que projetam?
Sigo observando e pensando neste assunto…
E vamos assim caminhando para um novo 2023.