Em alguma medida, todos somos vítimas da violência. Qual é a carga de violência que você carrega? Mesmo no meu lugar de privilégio de mulher branca, cisgênero, classe média alta, sou impactada por ela. E como você vem reagindo a ela? Até quanto você aguenta?
Escrevo isso impulsionada pela participação na roda de conversa sobre Segurança Pública do 4º Encontro Preparatório para o 2º Congresso Popular de Educação e Cidadania (confira o Instagram do Congresso aqui), um evento promovido pelos Coletivos POA Inquieta e o Ponta Cidadania nessa última quarta-feira, dia 9 de agosto. Nela, participaram líderes sociais, representantes da sociedade civil – como eu -, da Polícia Civil, Polícia Militar, Secretaria da Justiça e do Governo Estadual do RS*. Foi uma experiência de escuta e conexão de mundos que no cotidiano não costumam dialogar.
Na roda de Conversa, tivemos a oportunidade de refletir sobre a diferença entre violência e o papel das forças de segurança. Nela, também foi possível perceber que o diálogo é o começo para a solução.
Confirmando que muitas vezes a violência acontece e não se transforma em boletim de ocorrência, e, portanto, sem a necessidade de atuação das forças de segurança, na roda de conversa a professora Daniela da Rosa, vice-diretora da EMEF Morro da Cruz, trouxe dados com números alarmantes e crescentes de conflitos físicos entre alunos, bullying, entre outras situações, levantados nesse primeiro semestre na Escola. E também apresentou seu pedido de ajuda para um trabalho coordenado do Serviço de Orientação Escolar com o Conselho Tutelar e outras áreas do Estado e Município no sentido de atuar na prevenção de ocorrências violentas, como as domésticas, por exemplo.
Olhando para os dados do último relatório do Fórum Brasileiro de Segurança, de dados já registrados nos sistemas de segurança, também observamos números preocupantes.
- As ocorrências de violência contra a mulher cresceram. Onde está o seu agressor? Na grande maioria das vezes é o seu companheiro, ex-companheiro.
- As ocorrências violência contra a pessoa idosa cresceram. Onde está o seu agressor? Na grande maioria das vezes, também em casa. É o filho/a, neto/a, cuidador/a mais próximo.
- Aa ocorrências de violência contra crianças e adolescentes cresceram. Onde está seu agressor? No geral, em casa, nos cuidadores, naqueles que deveriam zelar e serem responsáveis pelo seu bem-estar e segurança.
Se mais possibilidades de diálogo como as criadas por essa roda de conversa resultassem em ações coordenadas, como as sugeridas pela professora Daniela, imagina quantas oportunidades de cuidado e ajuda poderiam ter acontecido na escola, nos postos de saúde e/ou em outras instâncias do Estado, antes desses casos se transformarem em números de ocorrência?
Não quero e nem vou isentar as forças de segurança das suas responsabilidades, todos sabemos que existem espaços para muitas melhorias. Um exemplo disso é o recente caso ocorrido do menino Thiago, morto baleado no Rio de Janeiro (leia aqui). Como apontou o sociólogo Gilvandro Antunes, representante do Movimento Vidas Negras Importam, há que se promover capacitação contínua para educação contra qualquer ação discriminatória com relação aos grupos minorizados. São necessárias medidas como a instalação de câmeras, reforço da Corregedoria, entre tantas outras apontadas por especialistas na área.
Tudo isso, pra que possamos ouvir cada vez menos depoimentos como o da Mylena Soares, líder comunitária da Associação Saraí, e do Rodrigo Sabiah, egresso do sistema penitenciário e líder da Reciclando Vidas, de que ficam na dúvida se aconselham crianças e jovens a buscarem a ajuda de PMs caso precisem, já que, em diversas ocasiões, esses profissionais representam uma ameaça aonde eles vivem. E, para entender a importância desse momento de escuta, o também participante Mario Ikeda, secretário adjunto de Segurança Pública do RS, relatou sua surpresa perante essas percepções diante o trabalho duro que realiza diariamente com sua equipe. Ou seja, a escuta ativa que a roda de conversa proporciona de mundos distintos dos da gente é um momento para uma leitura mais completa do contexto.
Olhar pra floresta e agir holisticamente, como a professora Daniela tão bem sugeriu na roda. O caminho dessa construção em favor da não violência é também o da cidadania, quando nos sentimos pertencentes na comunidade. Para isso, é preciso abrir mais espaço para escuta do que para a fala. Para a compreensão. Reconhecer a diversidade, trabalhar pela inclusão, e principalmente entender que não basta dar voz, toda e qualquer pessoa tem que ter vez na sociedade.
Mesmo numa sociedade ansiosa como a nossa, que vive em busca de resultados, haverá de ter uma hora que precisaremos compreender que resultados sólidos vem no longo prazo e do trabalho em comunidade. E para isso, uma boa conversa e o olho no olho de uma roda de conversa, convenhamos, é um ótimo primeiro passo!
*Participaram da roda de conversa sobre segurança pública: Ângela Comunal, Vice-Presidente da Associação de Mulheres Maria da Glória, Daniela da Rosa, professora e Vice-Diretora da EMEF Morro da Cruz, Gilmar Bortolotto, procurador de justiça do Estado de RS, Gilvandro Antunes, sociólogo e integrante do Movimento Vidas Negras Importam, eu, Karen Garcia de Farias, consultora de diversidade e fundadora da KGF consultoria em diversidade e inclusão, Mário Ikeda, secretário adjunto da Secretaria de Segurança Pública do RS, Mylena Soares, líder da Associação Saraí, Juliano Ferreira, delegado da Polícia Civil do RS, Renata Teixeira Jardim, advogada e mestre em Antropologia Social, Rodrigo Sabiah, egresso do Sistema Penitenciário e líder comunitário, tenente coronel Samaroni Teixeira Zappe, comandante do 19º Batalhão da Brigada Militar e Samuel Johann, instrutor de Justiça Restaurativa, facilitador de processos de construção de paz e o moderador dessa roda de conversa.