No final de 2023, a jornalista e escritora Eliane Brum escreveu no SUMAÚMA, veículo jornalístico sediado em Altamira, no Pará – “Exaustos, sim, mas terminamos em pé”, uma referência ao ano que terminava como o “mais difícil do que qualquer outro”. Em consideração, muitos aspectos, especialmente eventos climáticos extremos. Segundo ela, o ano acabou mais complicado do que começou, o que aumenta ainda mais o nosso compromisso em relação ao meio ambiente, ao presente e ao futuro de todos nós, especialmente das crianças. Se verdadeiramente queremos a floresta em pé e a integridade da infância, precisamos restaurar a verdade, o respeito, a solidariedade e acabar com qualquer tipo de abuso que fere a nossa dignidade e o direito à vida plena.
Precisamos reagir ao que fere brutalmente nossa sensibilidade e saúde física e mental.
Já escrevi sobre o meio ambiente. Já escrevi sobre a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul. Já escrevi sobre eleições municipais e o compromisso dos candidatos, que não pode, em hipótese nenhuma, resumir-se a discursos acalorados, recheados de promessas. Hoje quero falar da ingenuidade das crianças, da preservação da infância, do machismo e do estupro, o pior e mais hediondo dos crimes que a humanidade comete.
Reuni aqui trechos de algumas leituras que fiz e mostram a gravidade do que acontece tão próximo de nós.
O Rio Grande do Sul é o 10º com mais estupros de pessoas de zero a 19 anos, segundo o Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil. Em reportagem do dia 14 de agosto de 2024, o Matinal Jornalismo diz que “entre 2021 e 2023, houve 164.199 casos de violência sexual contra pessoas entre zero e 19 anos no país. Os números de 2023 relativos ao Estado apontam 4.168 estupros com vítimas nessa faixa etária – uma taxa de 161,8 por 100 mil habitantes entre zero e 19 anos, a 10ª mais alta do país e acima da média nacional, que é de 116,4. Realizado pela Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estudo destaca que os números de violência sexual podem ser maiores devido à carência de dados de três estados e à subnotificação”.
Passo Fundo tem a terceira maior taxa de estupros de vulnerável entre as cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Só em 2023 foram 312 casos registrados. O município gaúcho está atrás só de Dourados/MS, com uma taxa de 343, e de Sorriso/MT, com taxa de 326. Se considerarmos o ranking das 50 cidades com o maior número de notificações, aparece em 14º lugar. Em um recorte estadual aparece como a que mais registra este crime, seguida por Viamão com 80, Uruguaiana e Alvorada com 72 e Gravataí com 71.
Não faz muito tempo, por lá, um homem conhecido como o “Velho da Gaiota” atraía crianças para sua casa com doces e brinquedos e abusava sexualmente delas. Foi julgado e condenado: 62 anos, oito meses e 20 dias de reclusão pelos crimes de atentado violento ao pudor e estupro. O processo-crime teve desfecho no dia 1º de abril de 2024, em julgamento na 2ª Vara Criminal de Passo Fundo. A Polícia registrou mais de 10 casos de estupros identificados e outros não identificados. Segundo o Promotor de Justiça que atuou no processo, Júlio Francisco Ballardin, um dos meninos molestados chegou a ser internado. O caso foi amplamente divulgado no primeiro trimestre de 2012. Houve denúncia e prisão preventiva na época, requerida pelo Ministério Público.
O promotor de Justiça foi contundente: “A sentença foi exemplar, mas as vidas das crianças que foram vítimas foram perdidas”. E foram!
E como se isto não bastasse, na Região Metropolitana de Porto Alegre, dois homicídios recentes assustam muito. Em Novo Hamburgo, uma menina de sete anos foi encontrada com marcas de golpes de faca no corpo após a mãe pedir socorro. E em Guaíba uma menina de nove anos foi encontrada morta em um contêiner de lixo. Os casos estão sendo apurados. E o Conselho Tutelar dá respostas evasivas.
Faço estes registros porque me assusta muito a violência, o preconceito, a negligência, o abandono e o descaso que nos rondam. Pessoas já discriminadas assumem sua condição, denunciam a vulnerabilidade e o abandono que as cercam, mas ainda seguem agredidas porque tudo é muito lento.
Que mundo é este em que a justiça tarda e falha?
Foto da Capa: Marcello Casal Jr / Agência Brasil
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