Inicio o compartilhamento desse espaço nessa plataforma de produtores e consumidores de textos, tendo em vista honroso convite por quem de direito, em função basicamente de minha necessidade de escrever, é simplesmente isso. Sinto-me, a essa altura da vida de trabalhador acadêmico, como uma prostituta velha que, apesar de ter feito sexo profissionalmente a vida inteira, para sobreviver, ainda assim persiste amando e precisando fazer sexo, para além da sobrevivência pecuniária; em minha vida atual, de trabalhador acadêmico, preciso escrever e publicar sistematicamente, sob pena de perecer (“publish or perish”), isso tem sido minha rotina e minha sina nos últimos trinta anos, e ainda assim escrever me traz um enorme prazer. Não sei ao certo acerca do valor intrínseco desses escritos, desculpo-me preventivamente diante dos leitores a quem doravante os impingirei. Vivemos uma época em que a carpintaria textual se ampliou, para o bem e para o mal. O próprio termo “carpintaria textual”, com seu implícito de ofício humano, começa a fenecer ante a produção crescente de textos oriundos de algoritmos informatizados que requentam zilhões de bytes de narrativas que pululam nas redes: os robôs escritores chegaram de vez. Esse admirável mundo novo tem penduricalhos até atraentes, como corretores ortográficos e gramaticais em tempo real, e possibilidades mais ousadas, na linha de auxiliar carpintaria de texto para valorizar currículo, vender imóveis, responder a tarefas escolares…
Mesmo diante da hiperplasia textual que nos rodeia e muitas vezes nos sufoca, eis que ainda assim ouso agregar textos às “nuvens” que os acumulam hora após hora. À necessidade aludida acima, em termos desse fazer textual, se junta o desejo de ampliar o debate interno de ideias rumo a possíveis interlocutores que me facultem “excedente de visão”, para usar termo caro ao pensador russo Mikhail Bakhtin. Aqueles que, por amizade, caridade, interesse real ou qualquer outra bem-vinda motivação permanecerem no rol de leitores, meu sincero agradecimento, porque os leitores internos a quem eu mostrava meus textos já haviam se cansado de dialogar comigo. Tornou-se importante ampliar, mesmo com os riscos todos que rondam a contemporaneidade de quem ousa propor embate argumentativo.
Devo confessar outro móvel interno para essa empreitada: sinto-me, frequentemente, como um bisbilhoteiro que observa pessoas em bares, reuniões, lobbys de aeroportos e por aí vai, pessoas que murmuram, riem, performam, se desesperam, se iluminam, todas em flashes de vivências cuja inteireza jamais me será facultado esgotar, mas que me trazem de volta o epíteto lançado pelo artesão italiano de textos literários e teatrais Luigi Pirandello, “personagens em busca de um autor”. O mundo está cheio deles: frequentemente se ergue diante de mim um espaço em que se improvisa, em que textos não escritos (mas textos) emergem e são recitados, papéis são construídos e co-construídos, tudo conforme Luigi Pirandello, que esse caçador de borboletas humanas detectou genialmente tempos atrás. Gente como Pirandello – taxistas e sucedâneos uberistas, aposentados com tempo para prosa em bancos de praça, crianças com seu olhar inesperado pelo que surge ao redor – são colecionadores dessas tais borboletas humanas. Sinto-me atraído por esta comunidade, e a formação em psicologia entortou ainda mais a boca do fumante contumaz desse cachimbo.
Personagens em busca de um autor se completam, dialeticamente, com autores em busca de personagens, de narrativas, de causos, pelejas, debates – da pertinência de se proibir celulares nas salas de aula ao sentido último da vida, passando pelo futuro da esquerda e da direita. Assim me parece, e conforme me autoriza Pirandello, assim será. Grato a você, leitor, que chegou até aqui, e grato por eventualmente dar cabimento a essa puta velha que insiste em produzir textos para suprir outras demandas de sobrevivência.
Todos os textos de Jorge Falcão estarão AQUI.
Foto da Capa: Gerada por IA