Quando bem pequena, alimentava dois sonhos que foram os primeiros que enjeitei: ser miss Brasil e santa. Isso mesmo, santa da Igreja Católica, com direito a estátua, altar em igreja, procissão e tudo. Santa Cássia Zanon, miss e pessoa boníssima, seria a inscrição sob a minha imagem. Foi mais ou menos na mesma época, antes de fazer sete anos, que desisti das duas aspirações.
A ideia de ser miss morreu porque a apresentação do programa passou para o Silvio Santos, e eu não queria participar do programa com ele. Já santa… ser boazinha o tempo todo dava trabalho demais, e eu desconfiava que não ia conseguir enganar Deus sobre meus “pecados” – que na época incluíam coisas terríveis como desobedecer meus pais e confesso que não me lembro se tinha algo mais. Mas o fato mais decisivo foi a descoberta de que só pessoas mortas eram santificadas. E morrer definitivamente não estava nos meus planos (mais de 40 anos depois, ainda não está).
Mesmo tendo desistido da carreira de pessoa boníssima, foram necessários ainda alguns anos de vida para eu desistir de ser amada por todos. Sabe aquela pessoa “de quem é impossível desgostar”? Era quem eu queria ser. Aquela pessoa tão bacana, mas tão bacana, que mesmo quem não tivesse porque, iria amar. Abrir mão dessa sandice – em meados da adolescência – foi provavelmente a maior libertação para esta que vos digita.
Porém, se por um lado desistir da santidade e da queridice foi ótimo (parei de tentar fingir coisas que não eram para agradar os outros), por outro, me senti liberada pra odiar, detestar, abominar pessoas que eu considerava odiosas, detestáveis ou abomináveis. Na adolescência, não foram poucas as vezes que meus pais me chamaram a atenção para não usar palavras tão fortes para me referir a coisas e pessoas de quem eu não gostava. Eu também sofria ao saber que alguém me detestava, por exemplo, mas aprendi que a pessoa não gostar de mim é problema dela, não meu. Se pensarmos bem, é até lisonjeiro ser motivo de ódio de alguém. A gente nem lembra da existência da pessoa, e ela está lá, nos odiando.
Quando tinha 22 anos, ao ouvir pela primeira vez uma frase que meu sogro viria a repetir várias vezes durante nosso convívio de duas décadas e meia, entendi exatamente o que meus pais queriam dizer. “O ódio prejudica o hospedeiro.” Era o que Ibsen Pinheiro, político hábil e respeitado por pessoas de todo o espectro ideológico, costumava responder a quem perguntava se ele não se ressentia das pessoas que levaram à cassação injusta, com acusações falsas, do mandato de deputado federal dele, em 1994.
De lá para cá, toda vez que alguém me causa irritação ou raiva (que costumam ser momentâneas), lembro da frase do avô paterno da minha filha e tento desviar o rumo desses sentimentos para não virarem ódio (que tende a se arraigar). Foi na base da tentativa e erro que descobri duas coisas que me posso me permitir sentir por gente chata – ou má, mesquinha, hipócrita, prepotente, narcisista etc. – sem gerar azedume dentro de mim. O ranço e o desprezo nos ajudam a tirar o ser desagradável da mente assim que ele se impõe, não dando espaço para a fermentação do ódio que a ciência já comprovou que faz mal.
Evidentemente, agir em relação a esse ódio é o que causa atentados, assassinatos, agressões e guerras, e acaba fazendo mal também aos alvos do ódio. Mas a verdade é que a maioria das vezes é algo que guardamos dentro de nós, apenas desejando coisas ruins por quem não nos agrada. E isso prejudica a quem, afinal? Donde concluímos que a decisão mais sábia em relação ao ódio é também a mais egoísta: abandoná-lo!
Para ler mais sobre o assunto:
- O que é o ódio? Por acaso tem cura?, do psicólogo Ignacio Morgado Bernal
- Raiva, ódio e rancor são emoções inimigas do coração, do cardiologista Paulo Chaccur
- O ódio, do médico Dráuzio Varella