Acredito que incômodos são sinais que você pode escutar e agir, ou você ignorar, tentar colocar embaixo do tapete, mas tem uma hora que eles aumentam e surgem sem nenhuma possibilidade de serem escondidos, evitados ou encarados.
Sou uma pesquisadora, por natureza, com um instinto aguçado para captar sinais de questões emergentes. E, quando se somam as minhas vivências, esta capacidade de leitura se amplifica de uma maneira sem igual. Por ser mulher vivi minha vida inteira sob o escrutínio da minha saúde reprodutiva. Desde a minha 1ª menstruação, estou em sofrimento todos os meses me lembrando que tenho um útero que sangra e dói. Tinha episódios, desde os 12 anos, de cólicas insuportáveis de ficar deitada no chão urrando de dor. Nesta época descobri que existia o Buscopan, a homeopatia, exercícios de respiração e minha mãe me levava no centro espírita para ter tratamento espiritual.
Não me lembro da minha primeira consulta ginecológica, mas me lembro da descoberta do OB, de sangramentos intensos que sempre me deixaram envergonhada, sujando cadeiras, bancos de escola, roupas em festa, constrangimento e dores. Pessoas me chamando para dizer no ouvido: passou… tua roupa tá suja. Está aparecendo. Aprendi a ficar ligada no meu útero ao ponto de saber que ia menstruar e já sair tomando Buscopan. Às vezes funcionava, outras não. Meu útero furioso e indomável seguiu firme e forte. E a menstruação sendo um show a parte todo mês.
Lembro que quando entrei na faculdade, falando com amigas de outras classes sociais, fui descobrindo que tinha que ir em um ginecologista, que pílula poderia amenizar e conversamos sobre isto, pois estávamos todas na fase da iniciação sexual. Onde mesmo nós, sendo filhas da geração das décadas de 50/60, as primeiras feministas, o tabu e o conservadorismo eram grandes. Minha mãe era uma delas, mas mesmo tento condições preferia me levar na umbanda ou no centro espírita, do que no médico gineco.
Desde lá o tema sexualidade, por ser um tabu, me instigava. Eu ia na faculdade ao lado, a da psicologia, e entrava na biblioteca e ficava horas pesquisando: eu tinha 17 anos. Comia livros, procurava respostas. O tempo foi passando, as cólicas não, fui trabalhando e tendo acesso próprio a médicos até fazer minha primeira consulta especializada, já por indicação de uma amiga estudante de medicina, hoje a médica ginecologista, Bárbara Franz. Enquanto a Babi não se formou, mesmo eu indo em médicos, todos homens, era tratamento paliativo. Lembro que quando a Babi, já como médica residente, me atendeu, ela disse: tem um problema fisiológico no teu útero. O canal é restrito e já tem alguns miomas. Ela fez uma intervenção cirúrgicas de alargamento do canal uterino que melhorou minha vida em 1000%. Eu já tinha 27 anos. Cheguei nesta busca pois procurava respostas sobre a minha fertilidade. Não sabia se queria ter filhos ou não, mas queria ter entendimento do meu corpo e suas possibilidades caso eu decidisse optar pela maternidade.
Mais tempos se seguiu com uma vida melhor, sem tanto perrengue mensal, mas eu sempre conectada nos sinais do meu útero, afinal eu e ele somos indissociáveis. Chegou o ponto da minha vida que escolhi não ser mãe, apesar de toda pressão social, inclusive para que optasse pela reprodução assistida. Sim… recebi diversos conselhos ao decidir ser uma mulher sem filhos. Resisti e segui minha escolha: não ser mãe física, pois já me sentia exausta por exercer uma maternagem familiar, ser cuidadora de uma família que viveu tragedias de saúde, enfim. Fiz minha escolha. Não tive filhos físicos, mas tive que dar apoio e suporte a inúmeros filhos simbólicos.
Cheguei aos meus 40 anos, cheia de pressões, desejos, fiz mais uma reviravolta: me joguei em um relacionamento e abri uma empresa. Foram os 10 anos mais loucos da minha vida. Tentei virar mina padrão para agradar o cara, fiz tudo que nunca fiz na vida em termos sexuais, pessoais. Me permiti errar e enfiar os dois pés na jaca. O meu lema era: o que eu não fiz ainda? Vou fazer! E aí chegou o momento que eu olhei e disse: Ok! Não gostei. Mas sei como é. Qual é a próxima etapa?
Veio a pandemia e eu estava com 49 anos. Peguei COVID na primeira onda. Fiquei sozinha em casa no Natal e Ano Novo. E chorei ouvindo “Amarelo”, e cantava em casa: “Ano passado eu morri, mas este ano não morro”. Saí ilesa. E comecei a ir em médicos, estava tendo ataques de ansiedade que pareciam ataques cardíacos, sem paciência, irritável, e o útero pulsava. Novos exames: teus hormônios estão bombando. É que você trabalha demais.
Novos ataques de ansiedade, consulta em neuro, diagnóstico de hipertensão. E todas as vezes eu perguntava: quando é que chega a menopausa? E recebia a resposta: bah, não te preocupa guria. Teus hormônios estão bombando fora do padrão da tua idade. Tens que te preocupar ainda em não engravidar.
Fui percebendo que tinha algo errado e estou em busca de respostas há dois anos. Seguia influenciadoras que estão mais preocupadas em falar sobre envelhecimento estético e não serem rotuladas de velhas. Um discurso que não fazia sentido para mim, e que eu ficava com mais raiva ao não ver mulheres como eu, e sim as ex-modelos, as ex-beldades em uns papos elitistas sempre rodeadas dos médicos, ou médicas da moda, ricos e com soluções à lá Ozempic de mais de 1000 reais mês. Mesmo assim continuei observando e vendo surgir uma indústria com foco na menopausa cheia de tratamentos, dicas e informações desintegradas, confusas gerando insegurança, medo e mais impacto na vulnerabilidade psíquica deste momento.
Fui externando meu incômodo pessoal nas redes e muitas amigas começaram a trocar. Uma delas, a deusa e cientista social Carla Almeida, especialista em tretas, nudes e feminismos, e ela disse: “Podíamos ter um podcast, né? Tenho até um nome: Minas da menô”. E aí esta semana fiz um desabafo e outra amiga, a Valéria Gomes, disse: “Vamos montar um grupo trocar por lá… tem uma mulherada procurando respostas”. Mulheres da minha geração, como a nossa deusa Pat Storni, colunista da Sler, a minha amiga de uma vida Carlen Luz, médica e apaixonante, e outras maravilhosas: artistas, cientistas, médicas, enfermeiras, executivas, advogadas, publicitárias, educadoras,… em dois dias somos 32 mulheres. Cheia de ideias parindo o #minasdameno, em uma semana em que o debate do machismo estrutural está incendiando a internet. Eu só tenho a te agradecer, meu útero, por este momento de abrir esta caixa da menô. Sigamos! Vamos lutar como as minas que sempre fomos para passar esta fase nos ajudando e ajudando outras mulheres a ver que não o fim da linha, e sim outra etapa da vida.
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