Cabe ação negatória de paternidade quando um homem induzido a erro registra uma criança como seu filho ou filha, sem imaginar que não seja o pai biológico, e posteriormente descobre que o filho não era dele. Às vezes acontece de o pai ter registrado a criança sob coação, ou ter sido forçado por alguma razão a realizar o registro.
Este direito é tão importante, tão personalíssimo que, da mesma forma do direito de reconhecimento de paternidade, não pode ter sua prescrição limitada.
De acordo com o Artigo 1.601 do Código Civil, “cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.” Obviamente, isso também cabe no caso de uma união estável ou até mesmo quando o suposto pai biológico reconhece um filho com uma mulher sem ser casado com ela, acreditando que o bebê ou criança é dele.
Esta ação é extremamente traumática para os supostos pai e filho, pois importantes vínculos socioafetivos serão rompidos, e se o exame de DNA confirmar que o filho era dele mesmo, isso pode gerar um forte ressentimento causado pela rejeição.
A este passo vale salientar que a justiça brasileira busca a proteção da criança e do adolescente, e se houver uma relação de amor entre o suposto filho e o pai registrado, dificilmente esta ação terá sucesso, ainda que fique claro que houve má-fé da mãe, que ele foi induzido a erro, que ele foi vítima de um golpe, que a mulher sabia que o filho era de outro.
Ressalte-se, a orientação do STJ, conforme publicado no Informativo nº 699, de 7 de junho de 2021, é de que “para que ser possível a anulação do registro de nascimento, é imprescindível a presença de dois requisitos a saber: (i) prova robusta no sentido de que o pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto e (ii) inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho.”
Todavia, destaque-se que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), admite a anulação do registro de paternidade em razão de vício de consentimento e ausência de responsabilidade socioafetiva, conforme publicado no site do STJ, em novembro de 2021.
Conforme publicado no site acima, “a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso especial em que o recorrente pretendia anular registro de paternidade em razão de o menor não ser seu filho biológico – o que foi comprovado por exame de DNA. Por unanimidade, o colegiado considerou que o suposto pai foi induzido em erro na ocasião do registro, bem como não criou vínculo socioafetivo com a criança.
Relator do recurso, o ministro Marco Aurélio Bellizze afirmou que “não se pode obrigar o pai registral a manter uma relação de afeto baseada no vício de consentimento, impondo-lhe os deveres da paternidade, sem que ele queira assumir essa posição de maneira voluntária e consciente”.
A este passo vale salientar que, de acordo com o entendimento do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o pai não teria sido induzido em erro, porque como ele manteve relacionamento casual com a mãe era presumível que ambos pudessem ter outros parceiros sexuais, e como o autor da ação reconheceu a paternidade voluntariamente, na época do nascimento, ele não poderia, cerca de dez anos depois, levantar dúvida sobre esse fato.
Como se verifica no julgamento do STJ, esse raciocínio do TJPR manifestou-se equivocado e, embora não tenha sido utilizada essa palavra pelo ministro Marco Aurélio Belizze, até mesmo, preconceituoso, por colocar em dúvida o próprio caráter da genitora pelo fato de ser solteira. Veja-se agora o que foi dito pelo referido ministro:
Para Bellizze, embora os relacionamentos contemporâneos sejam cada vez mais superficiais e efêmeros, isso não implica a presunção de que eventual gravidez deles advinda possa ser considerada duvidosa quanto à paternidade, “sob pena de se estabelecer, de forma execrável, uma prévia e descabida suspeita sobre o próprio caráter da genitora”.
No entanto, fique claro que, para o ministro Belizze, a anulação do registro deve se pautar no interesse do menor, conforme publicado o site do STJ acima mencionado:
“Marco Aurélio Bellizze afirmou que a paternidade socioafetiva deve prevalecer quando em conflito com a verdade biológica. De acordo com o magistrado, há uma presunção de verdade na declaração de paternidade feita no momento do registro da criança, a qual só pode ser afastada com a demonstração de grave vício de consentimento. Por isso, eventual divergência entre a paternidade declarada e a biológica, por si só, não autoriza a invalidação do registro, cabendo ao pai registral comprovar erro ou falsidade, nos termos dos artigos 1.601 e 1.604 do Código Civil.
Por outro lado, quando o indivíduo se declara pai biológico ciente de que não o é (a chamada “adoção à brasileira”) e estabelece vínculo afetivo com a criança, o interesse desta impede a modificação do registro, independentemente da verdade biológica. A anulação do registro – enfatizou o relator – deve se pautar no princípio do melhor e prioritário interesse do menor, mas sem se sobrepor, de forma absoluta, à voluntariedade da paternidade socioafetiva.”
O ministro também ressaltou neste julgamento que “a paternidade socioafetiva é respaldada pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas exige, por parte do pai, a vontade de ser reconhecido como tal – intenção que não pode decorrer de vício de consentimento, como se verificou no caso em julgamento.”.
Segundo o ministro, a sentença “reconheceu que o pai registral assumiu a paternidade por acreditar que a criança fosse fruto de seu relacionamento passageiro com a mãe, o que se revelou falso após o exame de DNA. Ainda segundo a sentença, não se desenvolveu relação socioafetiva entre o menor e o pai registral.”.
Segundo informado por esse site do STJ, “quanto à conclusão do TJPR, o ministro afirmou que não é possível entender que não houve erro de consentimento no caso apenas pelo fato de o pai registral ter tido um relacionamento curto e instável com a genitora e, a despeito disso, ter declarado a paternidade no registro.”.
Em seu voto, o ministro relator concluiu que “comprovada a ausência do vínculo biológico e de não ter sido constituído o estado de filiação, os requisitos necessários à anulação do registro civil estão presentes, o que justifica a procedência do pedido inicial.”
Cumpre informar que o filho também pode impugnar a paternidade daquele que o reconheceu voluntariamente como pai. Ele no direito de buscar a verdade biológica, como ressalta Rodrigo Pereira da Cunha, no seu livro Direito das Famílias, 4ª edição, Editora Forense.
A grande barreira para que essa ação possa prosperar é o envolvimento socioafetivo, mas isso pode ser superado em alguns casos.
O próprio STJ, em decisão de 14/12/2020, publicado no site, entendeu que “a existência de um longo tempo de convivência socioafetiva no ambiente familiar não impede que, após informações sobre indução em erro no registro dos filhos, o suposto pai ajuíze ação negatória de paternidade e, sendo confirmada a ausência de vínculo biológico por exame de DNA, o juiz acolha o pedido de desconstituição da filiação”.
Esta decisão da Terceira Turma do STJ declarou a desconstituição da paternidade em caso no qual um homem, após o resultado do exame genético, rompeu relações com as duas filhas registrais de forma permanente.
Observe-se que os julgamentos, assim como a vida e os fatos que nela acontecem, podem levar a resultados diversos, tudo depende de cada caso ou das circunstâncias, sem falar que muitas vezes juízes ou ministros têm entendimentos diversos sobre os fatos e provas apresentadas. Espero que este artigo lhe tenha sido interessante.
Foto da Capa: Freepik
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