Quando acessibilidade e inclusão marcam presença no meu cotidiano através das dificuldades – e são muitas! –, lembro do livro A história mais triste do mundo (Editora Bolacha Maria, 1ª edição/ 2014) do psicanalista Mário Corso. Uma história comovente, onde encontrei a lucidez incrível do anão Umberto – Se as pessoas pensassem nas crianças nem precisariam pensar em nós, os anões. Por que os trincos das portas precisam ser tão altos? As maçanetas redondas são uma maldade com os anões e com as crianças: para abrir é preciso ter uma mão grande. Ninguém se dá conta disso? A constatação já me levou a pensar, falar e escrever muito sobre olhares e atitudes do outro e do quanto incluir não se resolve apenas com leis. Inúmeras vezes já ouvi comentários do tipo “Ah, desculpa, pensei que fosse uma criança!” quando alguém esbarra em mim. Em criança pode?
Acessibilidade e Inclusão deveriam ser assuntos tratados com cuidado por universidades e profissionais como arquitetos, engenheiros, médicos, enfim!
Se estivesse em um hospital, por exemplo, imagino que o anão Umberto perguntaria: “Por que usar aparelho de pressão grande em braço tão curto?” Detalhe que poucos lembram e que deixa evidente a desatenção com a diferença. O tamanho, o peso, a idade, a dosagem dos remédios, o conforto, o que fazer com um adulto em um corpo tão pequeno? Já tomei medicação em excesso por conta desta falta de atenção com o outro. Perguntas espantam e quase não temos respostas! O vácuo é tão insondável que parecemos estrangeiros buscando um mínimo de dignidade em um mundo que insiste em não nos reconhecer na nossa condição. São muitas as questões. Vamos adiante!
Ouse, então, pedir um banco para alcançar na pia do banheiro de um hotel. Não importa quantas estrelas, o espanto é de quem parece estar ouvindo alguém pedir uma cadeira criada pelos irmãos Campana, reconhecidos no mundo por peças criadas com design e arte. A resposta normalmente é: “Não temos!” Até aparecerem com uma caixa de maçã ou um engradado de bebidas. Ou, ainda, com uma cadeira de dois braços, que ocupa todo o banheiro. Ou eu ou a cadeira. E ponto final! É claro que há exceções, poucas, mas há. E em outro momento falarei sobre elas.
Já escrevi e sigo escrevendo muito sobre estas questões e reafirmo: Leis são necessárias. Regulam, dão garantias e mostram a preocupação da sociedade, mas algumas medidas dependem de sensibilidade e de atitude. Empresas e instituições públicas ou privadas de um modo geral são protocolares. Sem entender o cotidiano de quem tem uma deficiência, preocupam-se apenas em cumprir ordens.
Afinal, ordens são ordens!*
Não se preocupam em saber exatamente como se dá a aplicação efetiva de uma lei pela voz de quem tem a deficiência e perdem, assim, a possibilidade de aprender, mudar a regra, improvisar e educar! Acessibilidade para que mesmo? Enquanto a burocracia discute como incluir, atolada em protocolos, a vida anda e vamos encarando, do jeito possível, o cotidiano desse mundo “normal”. Tão normal e acomodado que não vê na diversidade uma maneira de sair dos espaços institucionalizados e inventar, reinventar, criar, mudar, facilitar. A diferença, seja ela qual for, necessita de olhares capazes de acolher, ousar, ver o invisível.
*A expressão “ordens são ordens”, que costumo usar com frequência para definir atitudes autoritárias e automáticas, é do filme “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda” (1986), curta-metragem dirigido por Jorge Furtado e José Pedro Goulart, que conquistou vários prêmios no Festival de Cinema de Gramado naquele ano – Melhor Curta, Melhor Ator, Prêmio do Júri Popular e Prêmio da Crítica. Fora do país, foi escolhido Melhor Filme e levou o Prêmio da Crítica no Festival de Huelva/Espanha e de Melhor Curta no Festival de Havana/Cuba, entre outros. A produção da Casa de Cinema de Porto Alegre é inspirada no oitavo episódio do livro “O Amor de Pedro por João”, do escritor Tabajara Ruas. A trilha sonora é de Augusto Licks e no elenco principal estão João Acaiabe, Pedro Santos, Zé Adão Barbosa, Sirmar Antunes e Lui Strassburger.
Sinopse – Em uma prisão militar, numa noite de muito calor, o negro Dorival tem apenas uma vontade: tomar um banho. Para conseguir, o desafio é enfrentar um soldadinho assustado, um cabo com mania de herói, um sargento com saudade da namorada, um tenente cheio de prepotência – e acabar com a tranquilidade daquela noite no quartel.