Como o assunto reverbera depois que a série sobre Nanismo foi ao ar no Fantástico, caiu na minha rede dia desses um artigo que escrevi para a editoria de opinião do jornal Zero Hora em janeiro de 2018 – Acessibilidade rima com dignidade. Há cinco anos, portanto. A repercussão foi muito boa na época, o que confirma que a rima é necessária, mas ainda muito difícil de equacionar. Bem antes desta data, já era um assunto que fazia parte da minha vida e o que escrevi ainda é muito atual. A rima lamentavelmente ainda não aconteceu.
Tomei a liberdade de reeditar o texto neste início de fevereiro de 2023 e publicá-lo aqui para ratificar que é uma reivindicação cotidiana. E que enquanto quem detém o poder, para dar apenas um exemplo próximo, seguir com propostas sem sentido, como um estacionamento subterrâneo no Parque da Redenção (que já foi abandonado) e a privatização sem medidas, como a construção de prédios para arranhar o céu da cidade, nós seguiremos buscando alternativas que custam quase nada para facilitar a nossa autonomia e reduzir o preconceito. Infelizmente, os olhos vorazes e soberbos do poder privatista não conseguem ver as necessidades reais da população, de quem vive à margem pela condição social, pela cor, pela deficiência, pela orientação sexual, enfim.
Mais do nunca, hoje sei da carência de equipamentos e de profissionais preparados para estimular a inclusão e facilitar a acessibilidade, apesar das reivindicações constantes e de leis que amenizam as distorções, mas não são cumpridas.
Diante deste cotidiano que segue adverso, me pergunto mais uma vez por que tão poucos olham para a nossa luta?
Sempre que vou a lugares públicos ou privados e me deparo com as mesmas dificuldades, tenho respostas simples e viáveis, que só dependem de atitude, sensibilidade, vontade política, além do cansativo enfrentamento da burocracia. Mas o que mais choca é que poucos estão interessados. E as instituições bancárias são um exemplo perfeito.
Os bancos têm lucros enormes, divulgados aos quatro ventos. Mas não está na pauta dos banqueiros “uma verbinha que seja” para oferecer condições adequadas aos clientes com algum problema. Como uma pessoa com nanismo tem acesso aos caixas, especialmente os eletrônicos espalhados pelas cidades? A pergunta espanta e todos se esquivam – isso é com o gerente! Mas onde está o gerente nestes tempos de automação? Ninguém está preocupado. Não há resposta. Muito menos, solução.
Por experiência própria, afirmo que é exaustivo reivindicar os mesmos direitos cotidianamente. O ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura” funciona para a natureza, não para os humanos. E assim ficamos sempre à mercê da boa vontade do outro. De quem faz o atendimento na agência física ou de quem te acompanha nos caixas eletrônicos porque é amigo e é solidário.
Já escrevi e falei muito sobre isso e vou seguir escrevendo e falando.
Como disse no artigo de 2018, minha percepção ultrapassa o nanismo. Estamos tão mergulhados no individualismo e tão atordoados por questões que se somam ao nosso cotidiano, independente da nossa vontade, que a minha preocupação é maior do que o desejo de acessibilidade e inclusão. Há direitos conquistados que tentaram nos tirar nos últimos quatro anos. Há uma imposição da miséria física e moral que precisamos encarar para não cair no jogo de quem nos quer sem voz. Os restos assustadores de uma política sórdida ainda contaminam o ar. Há um cinismo usurpador, que se traduz em piadas grotescas que reverberam impunes nas redes sociais e corroem a nossa dignidade. Quero acessibilidade e inclusão – sem dúvida, mas meu desejo sempre foi maior e urgente – recuperar os direitos que nos roubam a cada anoitecer.
Participo de dois grupos de pessoas com nanismo, um do RS e outro nacional – ANNABRA/RS – Famílias e ANNABRA/Família. Grupos que lutam com muita garra e competência pelos nossos direitos. Luta necessária porque falas e vídeos ofensivos circulam impunemente pelas redes sociais. São denunciados, é claro, mas é muito triste que ainda tenham espaço.
Sugiro uma olhada nesse link que mostra o deboche e a piada de duas pessoas “normais”, entre aspas mesmo, e a dignidade de um homem com nanismo.
Mas vamos lá, vida que segue. Um dia de cada vez, respirando profundamente e lutando contra qualquer tipo de discriminação.
Já estou com a nova cartilha da Turma da Mônica – “Nosso Amigo com Nanismo” (Culturama, 2022), de Maurício de Sousa, inspirada no Bernardo Hoffmann, um menino de Caxias do Sul, oito anos, que conheci no colo da mãe, Flávia Berti Hoffmann. Para mim a leitura foi comovente e já estou espalhando a cartilha na família. Assunto para um próximo artigo na Sler.