Nós, seres humanos, criamos as cidades. Nesses espaços, a vida só prospera se a acolhermos e nutrirmos. No entanto, muitas vezes, negamos liberdade e autonomia aos animais, que dependem de nós para abrigo, alimento e cuidado. Além disso, enfrentam perigos constantes, desde a crueldade humana até os desafios de um ambiente urbano projetado por um design centrado no humano.
É compreensível que muitas famílias não queiram ou não possam ter um animal em casa, por diversas razões que passam por falta de espaço, de tempo, de orçamento… Também é preciso registrar a necessidade constante de campanhas de castração, para evitar a procriação descontrolada, que se torna uma questão de saúde pública, diante do perigo de proliferação de zoonoses (sarna, carrapatos e outros tantos).
Contudo, a presença de animais comunitários – que estão na rua e não conseguem tutores, mas ainda precisam de alimento, abrigo e cuidado – pode transformar as cidades em ambientes mais acolhedores e educativos. De acordo com a Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE, 2020), uma Cidade Educadora promove a convivência harmoniosa e o aprendizado contínuo entre todos os seus habitantes, humanos e não humanos.
A inclusão de animais comunitários nas políticas urbanas demonstra um compromisso com a educação para a cidadania e o respeito à vida. Esses animais desempenham um papel crucial na sensibilização da população sobre bem-estar animal, empatia e responsabilidade social. Eles nos lembram que a cidade não é apenas um espaço de concreto e aço, mas um ecossistema vivo que deve ser cuidado e respeitado.
A interação com animais comunitários é uma ferramenta poderosa de educação ambiental. Crianças e adultos aprendem, na prática, sobre a importância da biodiversidade e da coexistência pacífica. Projetos de cuidado e proteção desses animais podem envolver escolas, ONGs e a comunidade em geral, promovendo um senso de pertencimento e responsabilidade coletiva.
A experiência das escolas da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME POA) com projetos ligados à causa animal é um exemplo inspirador. Um dos projetos, “Um Amor Bem Grandão” da EMEF Porto Novo, já acolheu e encaminhou dezenas de animais para adoção.
Em 2022, em parceria com o Gabinete da Causa Animal, vacinou e distribuiu cerca de 120 coleiras antipulgas e carrapatos. Em 2023, a ação na própria escola, em parceria com o mesmo gabinete, resultou na castração de mais de 170 cães e gatos. Tais ações, somadas ao cuidado contínuo e afetivo dos animais, impactaram significativamente a quantidade de crias e animais doentes no território da escola, bem como o comportamento de alunos e famílias, no tocante aos cuidados com os animais.
A Carta da Terra enfatiza a interdependência global, a responsabilidade compartilhada e o respeito por toda a vida. Ela nos chama a proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial preocupação pela diversidade biológica e os processos naturais que sustentam a vida. Ao incluir animais comunitários nas políticas urbanas, estamos alinhados com esses princípios, promovendo uma convivência harmoniosa e sustentável entre todos os seres vivos. Isso reforça a ideia de que as cidades devem ser espaços de aprendizado contínuo e respeito mútuo, onde a educação para a cidadania global e a responsabilidade ambiental são prioridades.
Portanto, ao acolher e cuidar dos animais comunitários, as cidades educadoras não apenas melhoram a qualidade de vida de seus habitantes, mas também fortalecem os laços sociais e promovem uma cultura de paz e respeito mútuo. A cidade se torna, assim, um verdadeiro espaço de aprendizado e crescimento para todos – uma Cidade Educadora e em consonância com os princípios da Carta da Terra.
Tatiane Reis é Cientista da Aprendizagem, Articuladora de Inovação da Rede Municipal de Porto Alegre, lotada na Emef Porto Novo; Licenciada em Letras, especialista em Mídias na Educação e mestranda de Design Estratégico. Voluntária do Porto Alegre Cidade Educadora, coordenadora do GT Educação Fora da Caixa e articuladora do POA Inquieta (Resíduos e Moda Sustentável).
Foto da Capa: Rovena Rosa / Agência Brasil
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