O Brasil é o pior país da América Latina e do Caribe quando falamos em igualdade de gênero no setor público. Se fossemos uma das equipes participantes da Copa do Mundo seríamos como o Catar e o Canadá, derrotados por todos seus adversários. Sequer chegaríamos entre os oito primeiros como a contestada seleção do Tite.
Essa foi a conclusão do estudo “Mulheres líderes no setor público da América Latina e do Caribe: lacunas e oportunidades”, publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e de autoria de Sandra Naranjo Bautista, Mariana Chudnovsky, Luciano Strazza, Edgardo Mosqueira e Carmen Castañeda.
No índice elaborado pelos especialistas na matéria, Trinidad Tobago está na frente com 68,8% de mulheres em cargos de liderança. A Colômbia, o melhor sul-americano, atinge 47,1%, acima da média de 41,5% dos 15 países estudados. O Brasil amarga a última posição com meros 18,8%, índice que não chega sequer à metade da média regional e distante da Guatemala, penúltima colocada, tem 24,5% de mulheres líderes.
A Igualdade de Gênero é o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 5, iniciativa da ONU que baliza o que entendemos como desenvolvimento sustentável nos dias de hoje. Esse ODS busca “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas” e tem, no seu subitem 5.5, o objetivo de “Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”.
O estudo aponta que há evidências que a maior participação das mulheres em cargos de liderança na administração pública está ligada ao maior crescimento econômico e a maiores investimentos em educação, saúde e proteção ambiental. A presença de mulheres em cargos de liderança deu visibilidade a experiências novas promovendo prioridades e perspectivas diferentes de grupos de predomínio masculino. Além disso, vários estudos confirmam que a participação das mulheres em cargos de decisão em políticas públicas promove mais eficiência e eficácia dos serviços oferecidos, sendo consideradas pelo público como mais íntegras e comprometidas na função pública.
A análise, uma das mais amplas já realizadas, mostra que a presença das mulheres ainda é limitada nos níveis mais altos de tomada de decisão das administrações públicas centrais e tende a se concentrar em setores específicos. Apesar de representarem 52% da força de trabalho, não ascendem aos níveis mais altos de liderança, ocupando apenas 23,6% dos cargos de nível 1, equivalente a um ministro. Além disso, a participação feminina é mais acentuada em áreas associadas aos estereótipos tradicionais de gênero, como a educação e a saúde, e diminui em setores onde tradicionalmente os homens têm liderado, como finanças e defesa.
Sendo assim, não basta que a presença da mulher seja paritária na força de trabalho, mas que essa igualdade seja estendida às posições de liderança e tomada de decisões em todos os setores da administração pública.
Mesmo que seja fácil ver que as mesas onde são tomadas decisões são mais masculinas, mais brancas e mais velhas que a população em geral, ainda assim os números surpreendem e assustam pelo descompasso com nossos vizinhos e com a realidade mundial.
Em minhas palestras e cursos sobre Sustentabilidade na Administração Pública, costumo apresentar um gráfico que mostra a distribuição por gêneros entre os cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS), que são os principais cargos comissionados do poder executivo federal. Observando os números, chegamos ao seguinte quadro, que esboça uma igualdade de gênero nos níveis inferiores, mas abre uma “boca de jacaré”, evidenciando a falta de mulheres nos escalões superiores de tomadores de decisão.
Conforme explica a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), os dois primeiros níveis são operacionais. Já o 3 é atribuído aos coordenadores. A remuneração dá um salto no nível 4, quase o dobro do anterior, e que seria equivale a coordenador-geral. Os níveis 5 e 6 são de maior poder hierárquico. No 5, há aproximadamente 3 homens para cada mulher e, no nível 6, 4 homens.
Há ainda os cargos de natureza especial (NES), onde estão os secretários especiais, ministros de estado, secretários-executivos entre outros cargos de alto escalão. Quando comecei a observar esses números, ainda no governo Temer, a proporção era de 7 homens para cada mulher e eu brincava que era mais uma derrota de 7×1 que o Brasil sofria. No ano passado, de cada 10 cargos, 9 eram ocupados por homens. Porém, nos dias atuais, chegamos ao espantoso percentual de 3,3% de participação feminina, contando-se 29 homens com relação a cada mulher nesse nível hierárquico.
Para reverter esse quadro, o estudo aponta a necessidade de se criar instrumentos para a superação de barreiras de acesso com a implementação de medidas de ação afirmativas, com metas objetivas, mensuráveis e com prazos e que a perspectiva de gênero seja incorporada na política de recursos humanos em todos os níveis, desde o recrutamento até o acesso aos altos escalões.
Nessa visão, estão incluídas medidas que possibilitem um maior equilíbrio entre a vida pessoal e familiar, com a criação de creches e espaços para amamentação, além da flexibilização de horários com a utilização de recursos tecnológicos, jornadas de trabalho híbridas com liberdade de utilização do home office. Outra medida essencial, presente em todo o estudo, é a necessidade de transparência com dados desagregados de forma a possibilitar se as metas estão sendo, ou não, atingidas.
Ainda que o estudo não mencione, é essencial que o olhar seja interseccional e inclusivo, sendo sensível aos recortes de raça e de classe, trazendo para a mesa de decisões mulheres com deficiência, as negras e as indígenas, além das mulheres do campo, das favelas, as ribeirinhas. Não se pode usar uma política inclusiva para formar outra exclusão.
Somente assim, teremos uma Administração Pública com mais empatia, eficiência, comprometida e preocupada com as questões sociais. Está mais que na hora de vermos a diversidade e a diferença como força e não, como uma obrigação numérica a ser preenchida a contragosto. Ou, como no atualmente no Brasil, nem isso.