Ai, será que ouviste esse cale-se*?
Ai, será que ouviste esse cale-se?
Vai, está longe de ti esse cale-se!
São falas feitas de sangue
Ai, será que ouviste esse cale-se?
Será que ouviste esse cale-se?
Vai, está longe de ti esse cale-se!
São falas feitas de sangue
Como aguentar essa fala azeda
Com muita dor, engolir a bravata
Mesmo fechada a boca, resta a raça
Silêncio-branquitude é o que se escuta
De que te vale ser inteligente?
Melhor seria ser um/a/e burocrata
Realidade (ao menos) mais honesta
Menos atraso e ética mais justa
Ai
Será que ouviste esse cale-se? (lugar)
Será que ouviste esse cale-se? (lugar)
Está longe de ti esse cale-se (lugar)
De silêncio pelo teu corpo
Como é difícil estar transicionando/a/e
Parece até que éramos um só lado
Quero gritar esse meu desagravo
Já que te vejo sendo escutado/a/e
Lugar de fala não é uma proa
O estudei e permaneço atento/a/e
É que se trata de qualquer momento
E não sobre falar em hora boa
Ai! (Vai!)
Será que ouviste esse cale-se? (lugar)
Será que ouviste esse cale-se? (lugar)
Está longe de ti esse cale-se!
São falas feitas de sangue
De muito pouco a corda já não estica (cale-se!)
Muita torção a ideia já não rende
Como é difícil, mãe, abrir a cabeça (cale-se!)
Essa palavra solta não te falta
Nesse en-torpe-cimento obtuso
De que adianta ter boa vontade?
Mesmo calada a boca resta o abuso
Dos privilégios do centro do mundo
Ai (vai)
Será que ouviste esse cale-se? (lugar)
Será que ouviste esse cale-se? (lugar)
Está longe de ti esse cale-se!
São falas feitas de sangue
É que o mundo não é tão pequeno (cale-se!)
Mas o racismo um fato consumado (cale-se, cale-se!)
Quero inventar esse meu próprio corpo
(cale-se, cale-se, cale-se!)
A se morrer não sendo só “um outro”
(Vai, cale-se, cale-se, cale-se!)
Com nitidez ouço sua sentença (cale-se!)
Lugar de fala cegou teu juízo (cale-se!)
Já que não é sobre o lugar na mesa (cale-se!)
Mas sobre ouvir outras tantas proezas (cale-se!)
*Minha singela homenagem ao Milton Nascimento – preterido do seu lugar na premiação colonial Grammy – intérprete com Chico Buarque da canção Cálice. Esta composta por Chico com outro gigante negro: Gilberto Gil. Além disso, dedico essa paródia a qualquer intelectual que abusa de piruetas teóricas para perpetuar lugares de privilégio, evitando a urgência decolonial do tempo no qual vive.
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Foto da Capa: Reprodução do Instagram